Desbravando o Solo

Uma Série de Cinco Partes Sobre o Solo

Uma Reportagem Investigativa De: Alex Park, Journalista, Email

Parte Dois:

Onde a Grama é Mais Verde

O boom global da soja transformou as pradarias do Brasil em uma fazenda. Agora a fazenda está sob ameaça.

UM CAMPO DE SOJA NO CERRADO. FOTO CORTESIA PHILIP HUNKE.

UM CAMPO DE SOJA NO CERRADO. FOTO CORTESIA PHILIP HUNKE.

Em 2009, Philip Hunke, estudante de doutorado na Universidade de Potsdam, na Alemanha, estava considerando tópicos para uma dissertação sobre a erosão e degradação do solo quando seu orientador sugeriu que olhasse para o Brasil. Hunke, que é especialista em hidrologia, ou o estudo do movimento da água sobre a terra, começou examinando a taxa de desmatamento do país. Inúmeros pesquisadores publicaram suas conclusões sobre as razões e as consequências do desmatamento na Floresta Amazônica. Mas quando Hunke viu os números, ficou surpreso ao descobrir que a taxa de desmatamento da Amazônia tinha sido ultrapassada pela de outro bioma menos célebre: o Cerrado, localizado no planalto central do Brasil. Quando Hunke olhou para o estado de Mato Grosso, no centro-oeste do Brasil, ele podia ver o porquê: O que antes era parte do Cerrado agora era agricultura. A única vegetação natural que restava ocorria ao longo dos córregos. A agricultura intensiva — do tipo que depende de grandes doses de adubo químico e maquinaria pesada — há muito tempo é ligada à destruição do solo. Mas quando viu os dados sobre o assunto, Hunke descobriu que praticamente ninguém tinha feito um estudo sobre o impacto da agricultura nas terras da região.

Da China ao meio-oeste dos Estados Unidos, o solo do mundo – a base para mais de 99 por cento do suprimento de comida da humanidade – está se tornando um recurso escasso. Há duas faces desta catástrofe: uma é a degradação ou a destruição das propriedades biológicas e minerais que dão vida ao solo e permitem que as plantas cresçam a partir dele. A outra é a erosão, em que o solo que ficou pobre fisicamente é levado junto com o vento ou com a água da chuva. Segundo uma estimativa, o mundo perde 10 hectares de terras agrícolas — o equivalente a 10 milhões de campos de futebol da FIFA — todos os anos devido à erosão. E como a população mundial cresce e se torna mais rica, exigindo mais carne alimentada por culturas como milho e soja, fica mais difícil ignorar o estresse no solo do mundo.

Confrontada com a destruição global do solo, a humanidade tem duas opções, segundo David Montgomery, autor de “Dirt: the Erosion of Civilizations” (em tradução livre, “Terra: A Erosão das Civilizações”) e do próximo livro “Hidden Half of Nature” (em tradução livre, “A Metade Escondida da Natureza”): plantar mais alimentos nas terras que já cultivamos ou transformar novas terras em fazendas. Mas a agricultura não é apenas uma vítima infeliz. As formas quimicamente intensivas e altamente mecanizadas que usamos para aumentar a nossa oferta de alimentos no passado geralmente são a causa da destruição do solo em primeiro lugar. Por outro lado, a expansão em novas áreas significa converter regiões de florestas e pradarias em agricultura – áreas que respiram e armazenam carbono e enchem a Terra de oxigênio. Transformar essas áreas em terras agrícolas vem com o custo de perder um recurso natural insubstituível e uma proteção contra a mudança climática. Se maltratarmos o solo, trataremos de repetir os problemas do passado.

É por isso que, se você quer saber sobre o futuro da agricultura e alimentos, é bom considerar o solo que está ancorando um dos mais novos e maiores corredores agrícolas do planeta. Em duas gerações, o Brasil transformou o Cerrado em uma das principais regiões produtoras de soja do mundo. A soja é um alimento essencial para porcos e, com o apetite crescente por carne de porco, a China é o maior cliente do Cerrado. Alimentar a China tem sido uma oportunidade de negócio incrível para os agricultores brasileiros. Mas as plantações de soja que estão cobrindo a região para alimentar essa demanda também estão devastando o solo do Cerrado.

Se o corredor Brasil-China é um exemplo da agilidade do sistema alimentar global (a capacidade de alavancar os recursos naturais de um país para o benefício de outro, garantindo que a demanda chinesa por alimentos não seja limitada ao que o país pode produzir em seu próprio território) também é um exemplo de como os problemas com o cultivo de alimentos transcendem as fronteiras nacionais. O Cerrado pode se localizar no Brasil, mas as raízes de seus problemas estendem até o outro lado do mundo.

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O CORREDOR

Na história da agricultura chinesa, o período conhecido como a "era da reforma" que abrange os anos setenta e oitenta destaca-se como um momento particularmente estressante. Durante décadas, o governo insistiu em autossuficiência em grãos e soja, mas com a abertura da economia e uma população cada vez mais rica consumindo mais alimentos, os agricultores chineses estavam chegando ao limite de suas terras. Para aumentar o rendimento, os agricultores aplicaram quantidades cada vez maiores de fertilizantes, oprimindo a biologia do solo e causando-o a se degradar. Para expandir seus plantios, os agricultores derrubaram florestas para cultivar a terra sob as árvores, e adubaram, plantaram e araram terras pobres em nutrientes até o ponto em que nada podia crescer do solo. À medida que a terra erodida era arrastada pela água, entupia os sistemas de irrigação, tornando mais difícil plantar qualquer coisa, mesmo nas áreas em que o solo ainda estava intacto. Nos meados da década de oitenta, o esperado rendimento de antes tinha atingido seu limite.

De acordo com um estudo de 1997 por Scott Rozelle e Jeremy Veeck das universidades de Stanford e Oeste de Michigan, o custo desta catástrofe para o suprimento de grãos e soja da China pode ter chegado a 5,7 milhões de toneladas métricas por ano no final da década de 1980. Numa época em que a China produzia cerca de 300 milhões de toneladas de milho, arroz, trigo e soja combinados anualmente, a perda de 5,7 milhões de toneladas pode ter sido grave, mas nem tanto que o país precisasse de abandonar uma política de autossuficiência em grão. Ao longo dos anos noventa e 2000, a China conseguiu produzir quase todo o seu próprio milho, trigo e arroz, e muitas vezes em excedente.

Mas soja era outra história. Entre suas terras em deterioração e uma classe média crescente, os agricultores de soja chineses não conseguiram acompanhar a demanda. Em 1995, a China reforçou seu suprimento pela primeira vez através da importação de soja. Embora a China ainda fosse um dos maiores produtores de soja do mundo, a produção nacional não podia acompanhar a demanda. Já em 2012, a China era a responsável por quase dois terços de todas as importações de soja do mundo. O Brasil se tornou seu fornecedor número um.

Por que o Brasil? A resposta simples é que o Brasil tinha no Cerrado o espaço para atender a nova demanda global como nenhum outro país. Nos Estados Unidos (ainda, até hoje, o maior produtor mundial de soja), a agricultura chegou ao seu limite geográfico há muito tempo. Na verdade, os Estados Unidos tiveram um prejuízo líquido em terras agrícolas: quase 9,4 milhões de acres de 1961 a 2012, de acordo com o Banco Mundial. Embora os Estados Unidos pudessem exportar mais de sua safra para a China, não havia novas terras para cultivar. O Cerrado estava pronto para uma oportunidade.

Não foi sempre assim. Com seus solos ácidos e fracos de nutrientes, o Cerrado foi um deserto de atividade econômica pela maioria da história do Brasil. Quando a capital foi transferida para a região em 1960, o governo teve que doar terra dos arredores aos agricultores só para atraí-los. Então, na década de setenta, cientistas do governo brasileiro desenvolveram algumas variedades de soja que, misturadas com uma boa dose de fertilizantes e cal, poderiam crescer em solos tropicais adversos. Fora do Brasil, a descoberta foi pouco notada no começo. Mas quando a China entrou no mercado mundial, levou apenas mais sete anos para a produção dobrar.

Quando o boom deslanchou, grandes produtores do Brasil e alguns gigantes do agronegócio estrangeiro vieram para o Cerrado, construindo de tudo, de silos a armazenamento de soja, a estradas para conectá-la ao mundo. A terra era barata e a vegetação natural foi sendo constantemente cortada, tratada com cal e preparada para o uso agrícola, permitindo que grandes fazendas de 40 hectares ou mais proliferassem. De 2002 a 2012, o Brasil aumentou sua terras agrícolas em uma média de 2,4 milhões de acres por ano, em grande parte desmatando o Cerrado. Anos após o começo do boom, um agricultor em Mato Grosso podia alugar um acre por US$ 6 ou comprar por US$ 200 — um décimo do valor das regiões de plantio de soja no meio-oeste americano. Atraídos pela barganha, agricultores vieram de todo o mundo, até dos Estados Unidos. Mas mais vieram do Rio Grande do Sul e Paraná, do coração agrícola no sul do Brasil.

O brasileiro Saulo Sabino da Cunha foi um dos agricultores que chegaram à região. Em 2006, quando o boom já estava em andamento, ele chegou no Mato Grosso para plantar soja e milho, que vendia para grandes multinacionais como Cargill, Bunge e Louis Dreyfus. Diferente do sul do Brasil, o terreno é plano no Cerrado e, com a soja certa, o clima é perfeito para o cultivo.

"No início, tudo foi realmente difícil, pois a tecnologia para o Cerrado ainda estava em desenvolvimento", ele me contou. Mas mais dinheiro trouxe novas máquinas e produtos químicos para tornar mais fácil cultivar soja no cerrado convertido a cada ano que passava. A produção cresceu mais rápido do que a infraestrutura para movê-la: Após uma colheita recorde de 88 milhões de toneladas métricas em 2013, caminhões se enfileiraram por 50 quilômetros ao longo da estrada para entregar a soja no Porto de Santos, perto de São Paulo. Naquele ano, 75 por cento das exportações de soja do país — mais de um terço de toda a produção — foi para a China.

A soja que fica está alimentando uma indústria de carne em ascensão: Em 2014, o Brasil exportou 3,6 milhões de toneladas de carne de frango e mais de meio milhão de toneladas de carne de porco ao redor do mundo.

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Não se podia negar que o boom agrícola tinha mudado os solos do Cerrado para pior. Alguns estudos já haviam ligado a erosão do solo à agricultura em partes da região. Mas depois de quatro décadas de expansão agrícola na região, ainda era desconhecido até que ponto o bioma estava ameaçado. Ao examinar pesquisas anteriores sobre a região, Hunke percebeu que ninguém tinha conectado os vários estudos para fazer uma avaliação abrangente sobre a situação dos solos do Cerrado.

A falta de dados reflete uma falta de interesse mais ampla no Cerrado, mesmo no Brasil. Embora seja uma das regiões de maior diversidade biológica no mundo, o Cerrado nunca teve o apelo romântico de seu vizinho, a Floresta Amazônica, disse Roberto Smeraldi, cofundador e diretor da ONG Amigos da Terra – Amazônia Brasileira e um dos ativistas ambientais mais proeminentes do país. Em todo o mundo, apenas mencionar a Amazônia invoca imagens de árvores altíssimas repletas de vida. Em contrapartida, o Cerrado natural parece estéril, com algumas árvores entrelaçadas entre gramíneas. Mas a impressão superficial é enganosa. Grande parte da vida do Cerrado está abaixo da terra—redes de raízes interligadas, como uma floresta subterrânea.

"A diferença entre o Cerrado e a Amazônia é que a maior parte da biomassa da Amazônia está acima do solo", disse Hunke. "No Cerrado, é um pouco como se você virasse a árvore para baixo."

"Assim, a Amazônia é vista como muito importante", Smeraldi acrescentou, "e o Cerrado, nem tanto". Essa biomassa é também um enorme armazém de carbono. De acordo com Smeraldi, um acre de Cerrado contém cerca de dois terços do carbono de um acre na Amazônia.

No auge da campanha para salvar a Amazônia, disse Smeraldi, ativistas presumiram que a floresta tropical pudesse ser salva sem preservar o Cerrado ao sul. No entanto, os dois biomas estão intimamente ligados, pois o terreno e o clima de um se mistura com o outro. No Cerrado há uma árvore, cobiçada por sua madeira, chamada Pequi. Na Amazônia, há uma espécie relacionada chamada Pequiá. Em algumas partes do Brasil, as duas podem ser vistas ao mesmo tempo. Alguns dos maiores rios que alimentam a Amazônia se originam no Cerrado. Como o alcance sul da floresta tropical tem experimentado uma queda em precipitação nos últimos anos, há até evidência de que a transformação do Cerrado é a culpada.

Apesar de sua natureza interdependente, a legislação brasileira tem seguido a lógica de ativistas da Amazônia e protegido a Amazônia isolando-a do resto do país. Em 2006, sob pressão internacional, produtores de soja e exportadores concordaram em parar o desmatamento da Amazônia em novas fazendas. Caiu o número de novas plantações de soja na Amazônia em todos os anos seguintes, mas com nenhum lugar para ir, os agricultores expandiram suas operações no Cerrado com um ímpeto recém-descoberto. Em 2012, o governo formalizou a proteção da Amazônia em lei. Ativistas elogiaram a iniciativa, mas além de tornar ilegal o desmatamento para a agricultura dentro da Amazônia, a nova lei também tornou mais fácil desmatar a terra fora dela, fazendo o Cerrado mais necessário do que nunca para satisfazer a crescente demanda mundial por soja.

Em 2010, Hunke fez a primeira de várias viagens ao Brasil para coletar dados por si mesmo. Trabalhando com alunos de mestrado da Universidade Federal de Mato Grosso, ele se estabeleceu em uma área de fazenda perto de Cuiabá e praticou seu português. Havia trabalhadores agrícolas misturando pesticidas, vestindo nada além de shorts e chinelos, e agricultores vivendo em casebres com conexão à internet no meio de seus campos, monitorando os preços das commodities através do site do Chicago Board of Trade.

Houve também evidência visível de erosão do solo. A equipe observou ravinas com centenas de metros de largura e até dez metros de profundidade, não formações naturais, mas regos formados quando a chuva intensa da área caiu em solo fraco demais para absorvê-lo, levando embora junto com a água enormes quantidades de terra. Hunke começou a recolher amostras.

O NEXO

O que estava causando a erosão do Cerrado? Parte do que torna a erosão do solo no Cerrado estranho é que a principal forma que os agricultores brasileiros usam para preparar o solo para o plantio é considerada boa ambientalmente. Em muitas partes do mundo, a erosão do solo está vinculada à lavoura: enfiar um metal em formato de faca na terra solta o solo e empurra as ervas daninhas ao subsolo. Arar facilita a agricultura, mas também deixa o solo exposto, mais seco, matando os microorganismos e tornando-o propenso a ser levado pela chuva ou o vento.

Duas maneiras de contornar esse problema é usar um sistema de "plantio direto", em que os agricultores plantam diretamente no solo e plantam uma segunda "lavoura de cobertura" após uma colheita para proteger o solo. No Cerrado, mais de 90 por cento da terra cultivável é trabalhada utilizando sistemas de plantio direto, e muitos agricultores também plantam uma cultura de cobertura — muitas vezes um tipo de grama. Apesar dessas adaptações, as terras do Cerrado estavam se deteriorando.

Talvez a maior ameaça para o solo é realmente uma das correções aplicadas aos agricultores para torná-lo utilizável. Os solos do Cerrado são naturalmente ácidos, então os agricultores cobrem suas terras com dolomita para cal a uma taxa muito maior do que no resto do Brasil. Quando a acidez diminui, libera nutrientes sem os quais plantas como a soja não conseguem crescer. Mas se cal demais é usado, o solo para de aglutinar, tornando-se menos capaz de manter-se junto quando é agredido pelo vento e pela chuva.

Em 2014, Hunke e seus colegas da Alemanha e do Brasil publicaram suas descobertas iniciais do Mato Grosso na revista Geoderma Regional. Por uma série de medidas, a agricultura intensiva estava prejudicando o solo no Mato Grosso. Citando os seus próprios dados, o grupo confirmou um link direto entre cal e erosão do solo no Cerrado. O solo corrigido era mais fraco do que o solo nas áreas não tratadas. Embora muitos agricultores plantassem culturas de cobertura após a segunda colheita de soja, as chuvas eram tipicamente mais intensas entre as colheitas, quando o solo, já fraco com cal, ficava sem proteção aos elementos.

Trabalhado várias vezes por tratores e colheitadeiras, o solo das plantações do Cerrado também ficou compacto mais densamente do que o de áreas intocadas, assim quando a chuva caía, ficava coletada no topo do solo, em vez de penetrar profundamente. Solo cultivado era simplesmente mais fraco e menos capaz de absorver as chuvas intensas tipicamente da região. Não é de se admirar, então, que quando há chuvas fortes, o solo ia caindo da terra em pedaços, enquanto estradas pareciam leitos de rios, carregando solo dissolvido, rico com fertilizantes e pesticidas, para o corpo de água mais próxima. Embora a equipe tivesse observado mudanças nas pastagens e plantações de cana, "os efeitos mais pronunciados ocorreram em plantações de soja", escreveram eles. Os rios e lagos locais, entretanto, estavam sofrendo o peso coletivo de fertilizantes, pesticidas e cal das plantações do Cerrado. Em alguns casos, a equipe descobriu que os pesticidas na água ultrapassaram os limites legais do Brasil.

O futuro não seria encorajador. Em outro artigo naquele ano, Hunke e sua equipe sintetizou o resultado de 80 estudos de solo e 16 de água em diferentes partes do Cerrado. A baixa estabilidade que observaram no Mato Grosso tinha sido observada por outros pesquisadores de todo o Cerrado. Como a terra se tornou mais escassa, os agricultores provavelmente se moveriam mais ao norte, onde os solos são mais arenosos, menos estáveis, menos férteis, e a taxa de erosão iria acelerar. A expansão da agricultura intensiva "eventualmente irá limitar seriamente o futuro do Cerrado, tanto em termos de produtividade agrícola e estabilidade do ecossistema", escreveram eles. Alimentando a China, o Brasil está transformando um bioma insubstituível em uma fazenda e agora a própria fazenda está ameaçada.

O SOLO COMO BEM MUNDIAL

Há um argumento que diz que a agricultura intensiva química com alta taxa de fertilizante, gerida com cuidado e mantida dentro de um limite geográfico, é realmente o compromisso necessário para evitar que plantações tomem todos os campos e florestas do mundo. Mas simplesmente expandir terras agrícolas por si só não vai resolver os problemas. Pode apenas levar esses problemas para novas áreas.

"Uma vez que produzimos em todos os lugares no mundo que podem ser cultivados de forma produtiva, ainda temos que descobrir como fazer isso em perpetuidade", disse Montgomery. "Digamos que expandimos em todos os lugares. Nós ainda vamos ter o mesmo problema, apenas mais tarde, se usarmos métodos agrícolas que degradam o solo."

Cunha, o agricultor de soja do Mato Grosso, disse que acredita que algum tipo de mudança é iminente. Se não fizermos isso nós mesmos, o meio ambiente pode forçar isso para nós. "Na minha opinião, todo o sistema agrícola vive em um grande paradoxo", disse ele. "Num momento em que precisamos produzir mais e mais alimentos para uma população mundial que não para de crescer, nós também precisamos pensar em nossos recursos naturais cada vez mais escassos... Acredito que temos que repensar a nossa forma de agricultura, vida e alimentação."

Na conversão do Cerrado de pastagem a campos agrícolas, houve alguns benefícios substanciais: mais soja e mais carne para o mundo, mais oportunidades para os agricultores do Rio Grande do Sul ao Iowa e as empresas fornecedoras. Quão uniforme é distribuída a riqueza da indústria da soja ainda é controverso: Um estudo de 2012 sobre soja amazônica revelou que a indústria gerou enorme riqueza para a região, mas que a maioria foi captada pelos grandes fazendeiros que dominam a produção.

Hoje, o Brasil depende fortemente da soja para sua receita de exportação. A soja brasileira também é mais necessária para a China do que nunca. A classe média chinesa — agora mais do que duas vezes o tamanho da população inteira dos Estados Unidos — é, sem dúvida, a força motriz por trás da demanda crescente. Mas a degradação ambiental tornou cada vez mais difícil para os agricultores chineses contribuírem para o suprimento nacional. Menos de dez anos após um pico em 2004, a China perdeu mais de 31 milhões de acres de terras agrícolas. Cerca de 40 por cento dos solos restantes estão seriamente erodidos, degradados e poluídos com produtos químicos industriais. A China ainda consegue produzir quase todo o seu milho, trigo e arroz. Mas nos próximos dez anos, ainda não está claro se a perda de terra continuará a progredir e forçar o país a obter esses grãos de outros lugares ou se o rendimento agrícola crescerá com a demanda. No futuro próximo, o Cerrado vai continuar a ser uma das principais fontes de soja da China.

Quando conversamos pela última vez nesse mês, Hunke tinha recentemente entregue sua dissertação, um corpo de pesquisa sobre a água e os solos do Cerrado e como a agricultura intensiva está prejudicando ambos. Seu trabalho é pioneiro, mas ainda existem grandes lacunas no nosso conhecimento sobre o impacto da indústria da soja nesta região, que é ao mesmo tempo um dos mais importantes ecossistemas da Terra e, mais recentemente, uma das suas mais importantes áreas agrícolas.

Embarcada em navios e saindo do Porto de Santos, a soja do Cerrado é um recurso global. Mas isso significa que a calamidade ambiental causada pela sua produção é também um problema global. Mesmo que seja certo colocar a produção da soja acima da saúde do Cerrado, o cultivo de soja lá se tornará cada vez mais difícil, pois a agricultura intensiva empobrece o solo do Cerrado. Se é assim que o mundo deve se alimentar, o mundo pode estar em apuros. Mas e se houvesse uma outra maneira?

UM CAMPO DE CANA FICA EXPOSTO APÓS A COLHEITA. FOTO CORTESIA PHILIP HUNKE.

UM CAMPO DE CANA FICA EXPOSTO APÓS A COLHEITA. FOTO CORTESIA PHILIP HUNKE.

O que vem a seguir? Veja as outras partes desta série (em inglês):

Holding Ground
What does it take to raise beef on the edge of American agriculture?

The Ecology of Knowledge
How do farmers learn to be soil stewards? We asked some from all over the world

Common Ground
What can Cuba teach the world about preserving its soil?

Você perdeu a primeira parte?

O Cio do Solo
Embora não seja considerado desta forma, o solo é um recurso finito—um ecossistema vivo que é muito mais complexo, importante e frágil do que você pensa.

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