A vida de quase todo mundo é pontuada por uma emergência financeira: Essa hora quando você precisa desesperadamente de dinheiro que você não tem.
Para minha esposa e eu, esse momento chegou sem aviso prévio, há oito anos. Meu filho contraiu uma doença exótica com um nome impronunciável e passou uma semana no hospital. Felizmente, e mais importante que tudo, ele se recuperou totalmente. No entanto, nós sofremos um soco no estômago por um dos apuros financeiros mais estressantes que enfrentamos.
Nós tínhamos seguro que cobria a maior parte da conta. Mas a dedução do seguro — a quantidade que tivemos que pagar do bolso — era mais de USD$3.000. Talvez pudéssemos ter conseguido isso... mas às vezes você tem azar e grandes custos financeiros múltiplos chegando de uma vez só. Isso é o que aconteceu com a gente. No mês antes do nosso filho ficar doente, uma conta de USD$3.000 de um conserto do carro drenou nossa conta bancária. E, porque a permanência do nosso filho no hospital caiu na mudança do calendário de dezembro para janeiro, tivemos de cobrir essa dedução de USD$3.000 para dois anos — o que significa que pagamos USD$6.000 só em dedutível. Em cima disso, houve custos médicos hospitalares que o nosso seguro não cobriu.
Nós simplesmente não tínhamos o dinheiro.
Você provavelmente tem uma história semelhante, embora os detalhes possam variar: O carro que você depende para ir ao trabalho quebra; o meio de renda da sua família acaba inesperadamente; o seu cônjuge é despedido do emprego de meio período que ajuda a pagar a escola de seus filhos. Exceto para os mais ricos do mundo, quase todo mundo — independentemente da localização geográfica ou degrau da escada econômica — enfrentou o estresse e as dificuldades de uma emergência financeira.
Em situações como essas, ser capaz de obter dinheiro extra em uma questão de dias pode ser a diferença entre manter ou perder a sua casa, comer ou passar fome, e — em casos extremos — sobreviver ou morrer. Assim, como muitas pessoas ao redor do mundo são realmente capazes de acessar os fundos de emergência necessários para mantê-los à tona? E como é que fazem isso?
INCLUSÃO FINANCEIRA
A pesquisa global Findex do Banco Mundial de 2014 — o mais extenso levantamento financeiro mundial conduzido, com mais de 150.000 pessoas entrevistadas em 140 países — analisa esta questão como um aspecto da realidade financeira em todo o mundo.
A pesquisa perguntou a adultos, se, em caso de emergência, eles podem levantar uma quantidade específica de dinheiro em um mês. O montante foi ajustado em todas as economias, de modo que representava uma quantia similar em cada país, dando ao Banco Mundial a capacidade de comparar amplamente a facilidade com que as pessoas podem obter dinheiro em uma emergência.
Apenas 31 por cento dos entrevistados disseram que achavam que seria "muito possível" conseguir os fundos. Outros 31 por cento disseram que seria "um pouco possível".
O Findex Global também abordou uma questão relacionada: Qual porcentagem mundial de adultos tem uma conta bancária ou outra conta financeira formal de algum tipo?
O Banco Mundial fez essas perguntas porque o conceito de "inclusão financeira" — se as pessoas participam ou não do sistema bancário formal — é o cerne da iniciativa de Acesso Financeiro Universal 2020 do Banco Mundial, conhecida como UFA2020.
A premissa central do Banco Mundial em torno da UFA2020 é que ser "financeiramente incluído" torna os indivíduos financeiramente mais resistentes e ajuda a aliviar a pobreza. A iniciativa foi resultado de uma reunião anual de bancos, companhias de cartão de crédito, instituições de microcrédito, agências multilaterais e empresas de telecomunicações, organizada pelo Banco Mundial em 2015.
O objetivo da UFA2020 é prover a adultos em todos os lugares, mas especialmente em 25 países específicos onde 73 por cento da população vive "sem-banco", o acesso ao sistema financeiro formal para que tenham um veículo para poupar dinheiro, pagar contas, receber pagamentos e obter crédito. Catorze agências, incluindo bancos, empresas de microfinanciamento e empresas como Visa e MasterCard, assinaram a parceria com o Banco Mundial para levar estas 2 bilhões de pessoas sem conta bancária a estruturas financeiras formais do mundo.
ENTÃO, O QUE ESTES DADOS DIZEM PARA NÓS?
O Findex Global revela que 38 por cento dos adultos não têm uma conta formal de serviços financeiros de qualquer tipo; eles não são "financeiramente incluídos". Considerando as grandes áreas rurais do mundo onde centros bancários não existem ou são limitados em número, esta porcentagem não parece muito alarmante.
A equipe Orb ficou curiosa sobre como estas duas questões — o acesso a fundos de emergência e inclusão financeira — são entremeadas. Se ser "incluído" apoia a capacidade de recuperação financeira de um indivíduo, como as pessoas foram apoiadas por estas estruturas formais quando passaram pela sua pior necessidade financeira — quando sofreram um grande choque financeiro? Como as porcentagens globais de pessoas com contas bancárias e sua capacidade de acesso a fundos de emergência se comparam?
Queríamos examinar mais profundamente os dados do Findex Global, por isso, fizemos uma parceria a empresa de análise estatística Datassist em Toronto. Usando a informação detalhada sobre cada indivíduo nos dados do Findex Global, combinamos as habilidades de jornalismo e investigação da Orb com a capacidade de análise estatística da Datassist e construímos um modelo projetado para prever a probabilidade de uma pessoa de ser capaz de levantar os fundos de emergência necessários.
Em um nível mais amplo, um terço das pessoas que disseram que podiam facilmente conseguir fundos o fizeram sem o apoio de estruturas bancárias formais. Além disso, de todas as pessoas que indicaram que não podiam levantar fundos de emergência (respondendo "um pouco possível" ou "não muito possível"), um terço deles disse que, na realidade, tinha algum tipo de conta financeira formal.
Assim, enquanto ter uma conta parece fazer a diferença, se ser levado para o sistema bancário formal supostamente serve de base para a capacidade de recuperação financeira de um indivíduo, os resultados não se alinham à maneira que nós tínhamos esperado.
Junto com o acesso de uma pessoa ao sistema financeiro formal, nós quisemos explorar o efeito que outros fatores — como gênero, escolaridade e nível de renda — podem ter sobre a capacidade do indivíduo de obter fundos de emergência.
Entre esses quatro fatores, o mais forte indicador da capacidade de obtenção de fundos de emergência é o nível de educação de uma pessoa. O segundo mais importante é a renda. O terceiro é se um indivíduo participa ou não do sistema financeiro formal. Sexo ocupa a quarta posição.
Depois de analisarmos se uma pessoa conseguiu obter fundos de emergência, examinamos os dados do Findex Global 2015 sobre como eles conseguiram obter os fundos.
Se você olhar atentamente para os resultados da pesquisa, observará que as pessoas que vivem na Ásia Oriental, Pacífico e países de alta renda que fazem parte da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) provavelmente têm dinheiro economizado (embora onde o guardaram ainda é uma questão).
Mas para o resto do mundo — e isso é muita gente — adultos que reportaram que podiam acessar fundos de emergência os receberam, na maior parte, através de uma rede muito "informal": família e amigos. Uma pequena porcentagem de pessoas indicaram que foram capazes de obter fundos ou um empréstimo do seu empregador ou trabalhando horas extras.
Os resultados dessa pesquisa remetem a como minha esposa e eu resolvemos nossa própria crise financeira. Nós tínhamos usado todas as nossas economias para cobrir a conta do conserto do automóvel. Consideramos pagar a parte do seguro com o nosso cartão de crédito, mas não tínhamos crédito disponível suficiente para cobrir toda a conta e estávamos preocupados sobre como a nossa pontuação de crédito seria afetada negativamente se estourássemos o cartão. Hesitantes e derrotados, sucumbimos a pedir a ajuda da família.
PARA ONDE VAMOS….
A Orb apresenta uma reportagem sobre onde pessoas do mundo todo obtêm dinheiro em caso de emergência. Começamos buscando aonde ir para aprender mais e enriquecer a nossa compreensão sobre o que está acontecendo com as pessoas no campo.
Para esse fim, a equipe Orb continuou nosso trabalho com a Datassist para determinar quais países seriam os mais interessantes e informativos para uma viagem de reportagem de campo — a fase do projeto quando visitamos um país e permitimos que histórias pessoais e encontros formem o nosso entendimento. Ao agregarmos as previsões a nível de país, fomos capazes de estimar qual a porcentagem da população de um país provavelmente seria capaz de acessar dinheiro de emergência.
Depois veio a parte divertida. Comparamos os resultados previstos com as respostas reais no Findex Global (por exemplo, as pessoas nos países que têm uma alta probabilidade de adquirir fundos de emergência realmente conseguem obtê-los?) e identificamos os países com a maior diferença entre os dois.
Queríamos entender essa diferença. Quais são os outros fatores — além de ser "financeiramente incluído" — que sustentam a capacidade de recuperação financeira de um indivíduo, especialmente durante um choque financeiro? Como esses outros fatores funcionam e interagem? Eles são relacionados puramente a redes sociais? Ou existem estruturas que podem ser promovidas e replicadas? Onde é que funcionam melhor e o que poderíamos aprender com eles para apoiar a resiliência de um indivíduo em face de um choque financeiro?
A lista de países cujas respostas da pesquisa diferem mais do modelo preditivo construído pela Datassist seria os países onde outros fatores — como bancos comunitários, empréstimo de dinheiro informal e mercado negro — estavam em jogo mais poderosamente.
Seguimos onde esses dados levaram para identificar os países que iríamos visitar para nossa reportagem.
De 143 países, 36 tiveram uma taxa real menor do que as nossas previsões em 10 por cento ou mais. A maioria desses 36 países é país de baixa renda. Mas um perto do alto, o Brasil, não é.
PAÍSES ONDE A CAPACIDADE PARA LEVANTAR FUNDOS DE EMERGÊNCIA DIFERE DA PREVISÃO DA ORB
As tabelas a seguir destacam como as respostas de alguns países para a pesquisa diferiram do desempenho previsto pelo nosso modelo. Cada tabela mostra os seguintes atributos:
Nome do país
A porcentagem real dos entrevistados da pesquisa Findex que disseram que era "totalmente possível" ou "razoavelmente possível" levantar fundos de emergência
Porcentagem prevista dado o modelo que construímos
A diferença entre estas colunas: Real menos Prevista
Os países com uma grande diferença positiva são aqueles com um desempenho melhor do que o nosso modelo prevê. Os países com uma grande diferença negativa são aqueles com desempenho pior do que o nosso modelo prevê.
Os 10 primeiros países - Aqueles cuja resposta real está mais acima das previsões do modelo
País | Resposta real do Findex % | Modelo previsto % | Diferença (Real - Previsto) |
---|---|---|---|
Mianmar | 90.3% | 47.9% | 42.5 |
Turcomenistão | 81.4% | 51.8% | 29.6 |
Niger | 69.5% | 45.5% | 24.0 |
Camboja | 68.9% | 46.6% | 22.3 |
Uzbequistão | 79.8% | 57.9% | 21.9 |
Bolívia | 75.6% | 55.3% | 20.3 |
China | 75.2% | 57.4% | 17.8 |
Quirguistão | 72.8% | 56.6% | 16.3 |
Israel | 88.0% | 72.2% | 15.8 |
Argélia | 71.2% | 55.5% | 15.7 |
10 últimos países - Aqueles cuja resposta real está mais abaixo das previsões do modelo
País | Resposta real do Findex % | Modelo previsto % | Diferença (Real - Previsto) |
---|---|---|---|
Namíbia | 23.5% | 58.3% | -34.8 |
Zâmbia | 30.0% | 59.3% | -29.3 |
Sri Lanka | 34.1% | 62.0% | -27.9 |
Portugal | 41.4% | 67.5% | -26.1 |
Hungria | 39.5% | 64.1% | -24.6 |
África do Sul | 40.3% | 63.8% | -23.6 |
Angola | 28.1% | 51.2% | -23.2 |
Brasil | 35.5% | 58.0% | -22.5 |
Togo | 28.1% | 50.6% | -22.5 |
Turquia | 40.9% | 63.1% | -22.2 |
Com a sétima maior economia do mundo e uma crescente classe média, o Brasil é um país onde poucas pessoas relatam ser capazes de levantar fundos de emergência, embora cerca de 60 por cento afirma ter uma conta financeira formal.
Desde 2010, o Brasil é membro da Aliança para a Inclusão Financeira, um consórcio de formuladores de política monetária de países em desenvolvimento e emergentes que estão trabalhando para a inclusão financeira dos pobres. O Brasil também é um dos 25 países-alvo do Banco Mundial como parte da iniciativa UFA2020. Assim, com toda essa atenção à inclusão de brasileiros nos sistemas financeiros formais, porque mais brasileiros não são capazes de acessar fundos em caso de emergência? O país não deveria ser um caso modelo para a "promessa" de inclusão financeira? Estas perguntas estabelecem a base para o nosso trabalho de reportagem no Brasil e ao redor do mundo.
Em comparação com o que encontramos acontecendo no Brasil, houve vários países que relataram um acesso mais fácil a fundos de emergência do que o modelo previsto. Com algumas exceções, foram países de baixa renda.
Mianmar está no topo da lista. Residentes de Mianmar responderam que podem obter fundos de emergência muito mais facilmente do que o nosso modelo estatístico previu. Quase 88 por cento disse que seria "possível" ou "muito possível" obter os fundos necessários. Este é um dos índices mais altos do levantamento -- quase 40 por cento acima da nossa previsão. Aumentando nosso interesse pelo país, menos de um quarto das pessoas que disseram que poderiam obter fundos em Mianmar afirmam ter uma conta financeira de qualquer tipo.
Pesquisas acadêmicas mostram que, em países como este, os empréstimos são frequentemente distribuídos através de redes de amigos, familiares e agiotas independentes. Pesquisadores às vezes chamam a soma dessas redes de setor financeiro “indígena" ou, mais tipicamente, “informal” de um país.
Quando damos um passo para trás e olhamos para o Findex Global como um todo, quase independentemente do país, homens disseram que podiam obter dinheiro com mais facilidade do que mulheres, titulares de contas de sistema financeiro formal mais facilmente do que não correntistas, pessoas educadas com mais facilidade que pessoas não educadas, e pessoas mais ricas com mais facilidade do que suas contrapartes mais pobres.
Mas quando olhamos para onde esses fatores foram os indicadores mais fracos para saber se uma pessoa poderia obter os fundos de emergência, muitos dos mesmos países continuaram a aparecer: Mianmar, seguido pelo Turcomenistão e Níger.
Será que os sistemas financeiros desses países (formais ou não) são extraordinariamente bons em obter dinheiro nas mãos das mulheres, pessoas menos instruídas e pobres, e é por isso que eles diferiram do nosso modelo por uma margem tão ampla? Esta é apenas uma das muitas perguntas que guiarão nossa reportagem.
A equipe de jornalistas profissionais da Orb começou sua reportagem de campo no Brasil para entender melhor tanto por que as pessoas lá têm mais dificuldade do que o esperado para levantar dinheiro de emergência quanto como os bancos informais estão se esforçando para atender este problema. No Camboja e Mianmar, exploramos como é que as pessoas desses países relativamente pobres podem obter dinheiro tão facilmente, considerando suas baixas taxas de inclusão financeira e educação. E nos Estados Unidos, reportamos sobre uma recente pesquisa realizada pelo Banco da Reserva Federal dos EUA que indica que 47 por cento dos americanos teriam dificuldade de conseguir USD$400 em um mês. Como é possível que em uma nação rica e super poderosa com uma população financeiramente incluída muitas pessoas têm dificuldade em levantar fundos em caso de emergência?
Embora existam muitas questões ainda a serem respondidas, uma coisa é clara a partir da análise de dados original da Orb e Datassist: Ninguém, com exceção do 1 por cento mais rico do mundo, é imune a emergências financeiras.
Emergências financeiras chegam inesperadamente e são uma fonte de grande estresse e dor. Com cerca de dois terços da população mundial pesquisada dizendo que é "um pouco possível", "não é muito possível" e "não é possível" levantar fundos em caso de emergência, é óbvio que ser contado entre os "financeiramente incluídos" não é a única maneira de estar preparado para uma emergência financeira.
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