Invisíveis
O Plástico Dentro De Nós
Uma Reportagem Investigativa De: Chris Tyree, Journalista, Email and Dan Morrison, Journalista, Email
Ele está em todos os lugares: é o produto mais persistente, enganador e familiar do mundo.
O plástico embrulha nossas refeições e deixa nossos carros mais ágeis. Veste os hipsters urbanos e os alpinistas do Monte Everest. Esfolia e protege a pele. Leva o esgoto e armazena o sangue humano.
Olhe ao redor da sua casa e conte os artigos de plástico no armário, na geladeira, no banheiro e na mesinha de cabeceira. Até que número você chegou antes de desistir?
Isso é só o que você consegue enxergar.
Além das embalagens e caixas de pílulas, sacolas e mamadeiras, há um reino de plástico invisível: pequenas fibras, fragmentos e produtos químicos derivados que se infiltram em todos os aspectos da vida diária.
Nesse exato momento, há plástico no ar ao seu redor.
Ele flutua como grãos de pólen sob a luz do sol. É abundante em rios e oceanos. Está nos frutos do mar, no sal e em milhões de animais selvagens.
E, de acordo com a pesquisa exclusiva da Orb Media, o plástico contaminou amostras de água de torneira do mundo todo.
De Nova York a Nova Délhi, fibras microscópicas de plástico estão jorrando das torneiras para serem consumidas por pessoas, animais de estimação e gado.
“Isso deve servir de alerta”, disse à Orb Muhammad Yunus, vencedor do Prêmio Nobel da Paz de 2006 e fundador do Grameen Bank. “Sabíamos que esse plástico voltava para nós por meio da cadeia alimentar. Agora vemos que está voltando para nós na água de beber. Temos alguma saída?”
Essa contaminação, até então desconhecida, ignora a riqueza e a região geográfica: o número de fibras de plástico na água de torneira do Trump Grill, na Trump Tower em Manhattan, não foi diferente do encontrado nas amostras de Beirute, no Líbano, e Kampala, em Uganda.
A Orb encontrou fibras de plástico até mesmo na água engarrafada das principais marcas dos Estados Unidos e em lares que utilizam filtros de osmose reversa. Segundo nos nossos resultados, uma pessoa que toma dois litros de água por dia, ou bebidas como café, chá e refrigerante, pode ingerir oito fibras de plástico, ou mais de 2.900 fibras por ano*.
“Vemos que a corda está se apertando no nosso pescoço”, disse Yunus, que planeja lançar uma iniciativa contra o desperdício de plástico este ano. “Já fomos avisados que o plástico é uma ameaça à vida e ao planeta. Mas não me dei conta do perigo para nossas vidas até esses novos resultados de pesquisa terem sido apresentados.”
Os cientistas suspeitam que, uma vez dentro do corpo humano, o plástico pode liberar toxinas. Em estudos com animais, “ficou claro desde cedo que o plástico liberaria esses produtos químicos e que, de fato, as condições do intestino facilitariam uma liberação bem rápida”, disse em uma entrevista Richard Thompson, pró-reitor de pesquisa da Universidade de Plymouth, no Reino Unido.
“Quando pensamos nos plásticos”, disse Thompson, “o benefício que eles trazem está completamente dissociado de todos os malefícios.”
O plástico invisível está dentro de nossos organismos. Dentro dos bebês.
Dentro da rainha da Inglaterra.
“[A rainha] Elizabeth provavelmente recebeu sua cota de plástico, bem como o [príncipe] Charles e todos os tipos de pessoa”, disse Mark Browne, ecotoxicologista da Universidade de Nova Gales do Sul, na Austrália. “Seja qual for o material que colocarmos no mercado, tenho certeza de que acabará dentro dos seres humanos e dos animais selvagens, e é esse o problema.”
O problema é que o plástico domina o mundo. Continuamos a produzir mais e mais e continuamos a descartá-lo de uma forma inadequada.
Há amplas evidências de que o plástico pode ser considerado um resíduo perigoso* que representa uma ameaça para a vida selvagem. Os produtos químicos utilizados em plásticos estão associados a uma série de doenças, incluindo o câncer.
As fibras de plástico se juntam a uma lista assustadora de poluentes que ameaçam as reservas hídricas mundiais, uma lista que inclui desreguladores endócrinos.
Mas os governos não examinaram o que o plástico na água potável, em alimentos e no ar pode significar para o bem-estar humano.
“Não se pode decidir se esse é um problema real até entender como ele afeta o organismo humano”, disse Albert Appleton, ex-superintendente de águas da cidade de Nova York, em uma entrevista. “Ele se bioacumula? Afeta a formação das células? É um vetor para transmitir agentes patogênicos? Se ele se desfaz, quais são seus produtos de decomposição?”
A pesquisa da Orb “traz mais perguntas que respostas”, disse Appleton. Os Estados Unidos não regulam as partículas de plástico na água potável.
“A pesquisa sobre a saúde humana está em sua infância”, disse Lincoln Fok, cientista ambiental da Universidade de Educação de Hong Kong.
Sherri Ann Mason, uma pioneira da pesquisa em microplásticos, supervisionou o estudo da Orb, que incluiu mais de 150 amostras de água de torneira dos cinco continentes. A pesquisadora Mary Kosuth testou as amostras na Faculdade de Saúde Pública da Universidade de Minnesota.
“Temos dados suficientes, vindos da análise da vida selvagem e dos impactos que ele está tendo sobre os animais selvagens”, disse Mason, diretora do Departamento de Geologia e Ciência Ambiental da Universidade Estadual de Nova York em Fredônia. “Se isso está afetando [os animais selvagens], como podemos achar que não vai nos afetar de alguma forma?”
As fibras na água de torneira são, então, tanto uma descoberta quanto um indicador: um sinal visceral do quanto o plástico e seus produtos químicos relacionados penetraram na vida e na anatomia humana. Não conseguimos ver as moléculas de cadeia longa de toxinas comuns como os polifuoroalquilos, mesmo que estejam em mais 98 por cento da população nos Estados Unidos*. Mas quando as fibras de plástico são filtradas em laboratório e vistas pelo microscópio, a contaminação se torna real.
“Existem várias vias pelas quais você poderia se expor a plásticos ou produtos químicos associados”, disse Tamara Galloway, ecotoxicologista da Universidade de Exeter, no Reino Unido. “A principal via seria através de alimentos ou água.”
“O que não sabemos é o significado disso para a saúde humana.”
***
As fábricas mundiais produzem mais de 270 milhões de toneladas de plástico a cada ano, o que equivale ao peso de 46 Grandes Pirâmides de Gizé a cada 12 meses.
Mais de 40 por cento dessa massa – recipientes, sacos de compras e canudos – é usada uma vez e descartada. São 18 Grandes Pirâmides jogadas no lixo. Ou rio abaixo.
Mas o plástico se recusa a ir embora.
Pegue qualquer coisa fabricada antes da década de 40, seja um antigo machado chinês ou uma máquina a vapor escocesa, e deixe em algum campo. Ao longo das estações e dos anos, o metal se oxidará e descamará, a madeira se desintegrará e apodrecerá, e esses artigos da ambição humana voltarão para a Terra.
Isso não acontece com o plástico. O garfo frágil que você usou no almoço pode se quebrar, mas, sem fogo, não será destruído. Enquanto o ferro e o aço se transformam em ferrugem, a única coisa que o plástico faz é se fragmentar em pedaços cada vez menores até chegar a um tamanho microscópico, um poluente que vai persistir por milhares de anos.
Por ser tão nociva e onipresente, alguns especialistas consideram a poluição de plástico um desafio equivalente ao das mudanças climáticas.
Cientistas estimam que trilhões de pedaços de plástico estão presos na calota polar ártica*, que está derretendo, e outro trilhão flutua na superfície do oceano.
O volume do plástico que é menos flutuante e fica escondido embaixo* das ondas é desconhecido, mas uma pesquisa de 2015 encontrou plástico no intestino de 28 por cento dos peixes de um mercado indonésio. Na Califórnia, 25 por cento dos peixes e 33 por cento dos moluscos examinados continham plástico.
E não são apenas os oceanos. A água doce também está entulhada, tanto de detritos maiores quanto de microplásticos: pequenos fragmentos e fibras sintéticas retorcidas.
Juntos, os cinco Grandes Lagos, na fronteira entre os Estados Unidos e o Canadá, se conectam para formar o maior corpo de água doce da Terra. Os microplásticos são tão densos em algumas partes dos Grandes Lagos, e tão emaranhados dentro dos peixes dos Grandes Lagos, quanto nos oceanos.
É uma infestação global. O Lago Vitória, no leste da África, também tem plástico suspenso em suas águas. Em um estudo recente, partículas e fibras de polietileno, poliuretano, poliéster e borracha de silicone foram encontradas em 20 por cento* do peixes do Lago Vitória.
Os pesquisadores temem que as partículas de plástico nos frutos do mar possam contribuir para doenças humanas ao liberar toxinas absorvidas da água poluída e secretar seus próprios ingredientes químicos.
Para pessoas cuja subsistência depende da vida marinha, a ideia de um peixe plástico inspira pavor e repúdio.
* * *
Perto do porto de Muara Angke, na Indonésia, um assentamento ilegal com casas de blocos de concreto vive um dia promissor. A vila foi abençoada com um novo bebê, e um banquete de frango, camarão e arroz está cozinhando no fogo. A menininha de um dia, enrolada numa manta, nasceu em um táxi a caminho do hospital; a mãe brinca que vai lhe dar o nome de “Mercedes”.
A celebração de hoje é cortesia da avó da recém-nascida, Kaniyah, uma empreendedora de 50 anos que há 20 deixou de abrir mexilhões para vender dezenas de quilos de marisco cozido para os restaurantes locais. Os homens cozinham os mexilhões no vapor, em tambores de aço, logo que saem do barco. Em seguida, os mexilhões quentes são espalhados em lonas para serem abertos por meia dúzia de trabalhadores em meio a uma névoa salgada.
“Os mexilhões são uma fonte de comida”, diz Kaniyah, observando um lote ser preparado do lado de fora da sua confortável casa de telhado de lata. Mas seu rosto se endurece quando o assunto muda para os microplásticos.
“Estou aqui há muito tempo e nunca ouvi falar de mexilhão comendo plástico”, diz Kaniyah, que usa apenas um nome. “A pessoa pode morrer disso? É preocupante.”
A oito mil quilômetros para o oeste, do outro lado do Oceano Índico, o pescador James Nsereko, de 60 anos, tira um sustento modesto das águas do Lago Vitória, em Uganda.
O vento equatorial e as ondas parecidas com as do mar dificultam as remadas, e na maioria das noites as redes arrastam as mesmas quantidades de lixo e tilápia. “Vinte anos atrás não havia materiais plásticos como hoje”, diz ele. “Hoje em dia está demais.”
Mas plástico nos peixes? Plástico na água potável?
“Nunca encontramos nada do tipo”, diz ele. A 60 metros de distância, junto a um barracão de aço desgastado, há uma torneira alimentada por uma estação à beira do lago que fornece água clorada para 7 mil* pessoas.
A amostra de meio litro coletada pela Orb nessa torneira, a primeira parada da água vinda da estação de bombeamento vizinha, produziu quatro fibras de plástico.
Nesse caso, o resultado poderia ter sido pior para o vilarejo.
Uma amostra do complexo do Capitólio dos Estados Unidos, que abriga as duas casas do Congresso, produziu 16 fibras, o mesmo resultado da sede da Agência de Proteção Ambiental dos Estados Unidos.
A água da torneira da prefeitura de Nova York tinha 10 fibras. Uma amostra da Trump Tower, propriedade emblemática do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, continha duas. A água coletada no exclusivo Sloane Club, em Londres, reuniu seis fibras.
* * *
Entre as vias que as fibras de plástico podem estar usando para entrar no meio ambiente, apenas uma foi confirmada por cientistas: a que você provavelmente está vestindo.
Tecidos sintéticos (lã artificial, poliéster, elastano e acrílico) soltam fibras em cada lavagem. As estimativas variam de 1.900 fibras, emitidas por uma única peça de vestuário, a 700 mil*, da lavagem de seis quilos de roupa.
Nos Estados Unidos, as estações de esgoto capturam entre 65 e 92 por cento. O resto é despejado em rios e córregos. Isso leva a uma estimativa conservadora de 29 mil quilos* de fibras de plástico despejadas diariamente nas vias fluviais públicas americanas. Essas fibras se afundam na lama ou seguem com as águas do rio para o mar.
A professora Mason suspeita que algumas dessas fibras entram nas redes de água de outras comunidades, onde evadem a filtração e são levadas para os lares.
“Elas são depositadas em um rio, e em algum lugar a jusante fica outra cidade com uma estação de tratamento de água que captura essa água”, disse Mason. “Todos estamos a jusante de alguém.”
A explicação de Mason pode funcionar para cidades que usam águas residuais tratadas em suas reservas hídricas. E as que não usam?
A bacia hidrográfica da cidade de Nova York, com uma população diurna de 10 milhões de habitantes, fica nas montanhas Catskill, no norte do estado, onde a maioria dos projetos de desenvolvimento é proibida. Mas a Orb encontrou fibras em todas as amostras de Nova York. De onde elas vieram?
Para encontrar uma possível resposta, devemos olhar para os telhados da rival cultural de Nova York, Paris, onde pesquisadores contaram as fibras de plástico que haviam caído da atmosfera. Eles estimam que a brisa e a chuva depositam entre três e nove toneladas* de fibras sintéticas na superfície da cidade a cada ano.
“Realmente acreditamos que lagos [e outras massas de água] podem ser contaminados por deposições atmosféricas acumuladas”, disse Johnny Gasperi, professor da Universidade Paris-Est Créteil. “O que observamos em Paris tende a demonstrar que uma quantidade enorme de fibras está presente na precipitação atmosférica.”
As secadoras de roupas podem ser outro vetor. Quase 80 por cento das famílias dos Estados Unidos têm uma secadora automática*. As máquinas dão vazão a um ar rico em fibras. Isso pode disseminar sintéticos na atmosfera na América do Norte, mas não na Europa, onde as secadoras usam outra tecnologia e não são ventiladas. (Sem contar os países onde a maior parte das roupas seca no varal.)
À luz disso, quando perguntado sobre como as fibras plásticas chegam ao ar, Gasperi especulou: “Talvez a abrasão das roupas durante o dia seja o provável mecanismo principal”.
Em outras palavras, a culpa é do desgaste normal. Suas roupas soltam plástico, do mesmo modo que um gato solta pelo. Tapetes, estofados e outros têxteis sintéticos de uso pesado também soltam fibras. A partir daí, segundo essa que nem é exatamente uma teoria, as fibras são levadas pelo vento, talvez para orbitar a Terra, como a cinza vulcânica ou a fumaça industrial.
Isso ajudaria a explicar como as fibras de plástico chegam à água de torneira de distritos do Equador alimentada por córregos de montanha. Ou como os pesquisadores do projeto Rozalia fuma organização sem fins lucrativos, encontraram fibras de plástico na fonte remota do rio Hudson, no estado de Nova York.
“O que descobrimos é que as microfibras estão em toda parte”, disse a fundadora do projeto, Rachael Miller. “Elas estão nas regiões alpinas onde não há muita gente, estão nas regiões pouco povoadas, estão adjacentes à cidade de Nova York, estão indo para o oceano.”
Mesmo a explicação envolvendo a atmosfera, no entanto, não resolve o quebra-cabeça.
Isso ocorre porque milhões de pessoas em todo o mundo obtêm suas águas do subsolo: de poços domésticos, como em Jacarta, e de nascentes naturais, como em Beirute. Encontramos plástico na água de ambas as cidades.
As fibras microscópicas de plástico, com tamanhos inferiores a um décimo de milímetro, são realmente pequenas o suficiente para contaminar poços e aquíferos rasos e alimentados pela chuva?
Ninguém sabe.
* * *
Temos 159 amostras de água potável de todo o mundo, das quais 83 por cento testaram positivo para fibras sintéticas, muitas pesquisas que mostram a extensão e os perigos dos detritos plásticos — e um mar de incógnitas.
O que acontece com as fibras inaladas?
Os pulmões as filtram, como fazem com outras substâncias estranhas?
E quanto às centenas de milhões de pessoas que sofrem de doenças respiratórias crônicas?
Pessoas doentes expelem as fibras de plástico tão facilmente quanto pessoas saudáveis?
As fibras inaladas podem complicar uma doença crônica?
Se as fibras sintéticas estão na água da torneira, também estarão na comida de sua cozinha e dos mercados: pães e massas, macarrão, sopa e leite em pó. (Seu restaurante local também pode estar temperando suas refeições com fibras do ar e da água. E estudos mostram que as fibras também são prevalentes no sal marinho.)
As fibras de plástico se acumulam no intestino humano ou passam com a mesma facilidade de uma semente de maçã? Pesquisadores acreditam que algumas partículas de plástico consumidas com ostras e outros mariscos permanecem no corpo humano. Caso as fibras se acumulem, isso é prejudicial? As fibras plásticas podem contribuir para a inflamação, migrar para outros órgãos, ou liberar toxinas de maneiras que podem ou não sobrecarregar sua saúde.
Mas como poderíamos saber?
“Não é só que você está exposto ao plástico”, disse Mason. “Desde o momento em que uma criança nasce, hoje em dia, ela já foi exposta a 300 produtos químicos sintéticos. Para descobrir a fonte original de qualquer efeito na saúde humana que você vai sofrer à medida que envelhece... não há como destrinchar isso.”
Qual a relação entre o plástico nos alimentos e na água e as outras ameaças associadas ao plástico, como os desreguladores endócrinos, substâncias que alteram o sistema hormonal, presentes em embalagens de alimentos, retardadores de chama e pesticidas?
Um artigo recente na revista científica Lancet Diabetes & Endocrinology estimou que desreguladores endócrinos custaram aos Estados Unidos US$ 340 bilhões, ou 2,33 por cento do produto interno bruto, em 2010. A exposição a esses produtos químicos está associada à deficiência intelectual de 43 mil crianças, a 33 mil casos de obesidade juvenil e a 3.600 casos de câncer testicular. Eles custaram à União Europeia US$ 217 bilhões, ou 1,28 por cento do PIB.
“A regulamentação química nos Estados Unidos não é uma grande maravilha”, disse Appleton, ex-superintendente de água.
Qual será o perigo se, por exemplo, as fibras de plástico no rio Ganges absorverem desreguladores endócrinos antes de se infiltrarem na água potável de Nova Délhi?
“Nunca pensamos seriamente nesse risco antes”, disse Tamara Galloway, pesquisadora da Universidade de Exeter.
Este é um momento em que aumentam a conscientização e a intranquilidade.
“A situação está ruim; a gente ouve tantas coisas sobre o câncer”, disse Mercedes Noroña, de 61 anos, depois de ficar sabendo que uma amostra coletada em sua casa no sul de Quito continha fibras de plástico. “Talvez eu esteja exagerando, mas tenho medo das coisas que estão na água.”
Muitas pessoas estão receosas. Uma pesquisa recente da Gallup descobriu que 63 por cento dos americanos se preocupavam “muito” com água de beber poluída, o maior número desde 2001.
Enquanto os cientistas fazem seu trabalho metódico de avaliar os riscos da poluição do plástico microscópico para a saúde, outras pessoas estão trabalhando para deter o fluxo de plástico para o meio ambiente e para dentro do organismo.
A linha de frente não é atraente, mas vibra com energia.
* * *
A luz fluorescente é fraca e há fumaça suspensa no ar. O único ventilador não funciona. Ninguém parece notar. Todos os olhos estão grudados na máquina.
A máquina está em uma oficina de Nova Délhi, junto a uma parede manchada, onde ronca e solta fumaça como uma engenhoca de desenho animado. Os trabalhadores despejam na máquina pastilhas de plástico preto triturado, sobras de um fornecedor de peças de automóveis, e a seguir esperam que a alquimia suja aconteça.
No bojo da máquina, as pastilhas se fundem em um pudim nocivo que é expelido na forma de filamentos negros brilhantes que se esticam sobre rolos de aço, passam por uma panela de água e vão para dentro de um granulador, que os picota em grânulos quentes e reluzentes. Em 24 horas, esses grãos chegarão a outra pequena fábrica, em outra parte dessa megacidade, para serem derretidos e virarem caixas de tomada elétrica.
A administração não se importa com visitantes, mas não peçam nomes, por favor.
Délhi recicla mais de 1.600 toneladas de plástico por dia. Em todo o mundo, são oficinas informais como essas que impedem uma completa inundação de plástico na Terra. Nesses locais, escrituras, licenças e fornecimento de energia elétrica são, no mínimo, duvidosos.
As instalações são decididamente pouco tecnológicas, e esse não é um trabalho para pessoas frágeis, mas este é o ponto alto do plástico atual.
No aterro de Kitezi, perto de Kampala, trabalhadores atravessam um mar de garrafas de plástico verde que chega à cintura, removendo tampas e cortando etiquetas. Em um galpão escuro sacudido por máquinas, as garrafas são trituradas, lavadas e embaladas em sacolas do tamanho de um caixão que serão embarcadas para a China, onde um cliente as transformará em calçados e colchas. Essa operação, uma das quatro do aterro, emprega 40 pessoas, a maioria mulheres.
Mas quando essas colchas forem lavadas, elas também contribuirão para a poluição de fibras.
E garrafas de refrigerante são feitas de polietileno tereftalato, ou PET, o lixo plástico mais acessível: fácil de fazer, fácil de reciclar.
Para alguns polímeros, somente uma aniquilação total será suficiente.
* * *
Essa deveria ser outra tarde maravilhosa aqui na praia de Dagupan, 160 quilômetros ao norte de Manila, nas Filipinas. Com o céu azul, nuvens ao longe e palmeiras balançando, a praia tem o jeito atemporal de uma ilha, o tipo do cenário usado para filmar comerciais de cerveja. Porém hoje o lixão da cidade está em chamas.
E o lixão fica na praia. Está lá há 50 anos. E agora está bem grande.
Há muito tempo a maior parte do lixo biodegradável se transformou em lama e gás metano. Sobrou apenas uma montanha de 38 mil toneladas que envia um fornecimento regular de plástico para o oceano. Grupos de catadores de lixo atravessam com dificuldade a pilha fumegante que cobre três hectares.
Em breve, essa cena apocalíptica pode chegar ao fim. A prefeita da cidade, Belen Fernandez, formou uma parceria com uma empresa dos Estados Unidos para construir uma usina que transformará o lixo da cidade em combustível para a frota de pesca e as moto-táxis de Dagupan.
O processo é denominado “pirólise”. O plástico é superaquecido em uma câmara selada, onde se decompõe em gases ricos em hidrocarbonetos se condensam, formando combustível líquido diesel. Essa é uma reação anaeróbica que não gera fumaça.
“No início, para ser honesta, não queríamos fazer isso”, disse Jill Boughton, uma especialista em lixo, cuja empresa Waste to Worth Innovation construirá a usina. “Dagupan recolhe apenas cerca de 27 toneladas de lixo por dia, o que não é muito. É muito difícil fazer a parte econômica funcionar.”
Mas Fernandez, que apostou sua prefeitura na remoção do lixão, insistiu com Boughton, que cedeu. “Percebemos que a Waste to Worth não serve apenas para cidades grandes e lixos grandes”, disse Boughton. “Dagupan é o nosso protótipo de cidade pequena. Se conseguirmos trabalhar aqui, posso dizer que conseguiremos fazer isso em qualquer lugar.”
Se no início Dagupan parecia ser muito pequena para os investidores em recuperação de energia, imagine os reatores de fundo de quintal construídos por Noble Banadda.
Não se pode dizer que não produzam fumaça.
Banadda, diretor do departamento de engenharia agrícola e biossistemas da Universidade Makerere, em Kampala, desenvolveu um reator barato feito de tambores de aço e movido a lenha para converter plástico em diesel com baixo teor de enxofre. “Nosso objetivo era desenvolver fogões, fogões pequenos, para que as pessoas nos centros urbanos, especialmente os pobres, possam abrir empresas para coletar e derreter plásticos”, disse ele. “O processo de fabricação de plástico vai revertê-lo ao diesel”.
Algumas pessoas podem questionar o uso de árvores para fazer diesel, mas em Uganda a madeira é mais barata que a eletricidade, e as árvores são renováveis. O reator de Banadda está apenas na fase inicial. Durante uma demonstração em uma oficina rural, a temperatura interna de 550 graus centígrados não foi mantida constante. Por isso, a maior parte do plástico usado no teste foi transformada em cera de parafina, e apenas 30 mililitros de diesel foram produzidos. O reator é um exemplo de autêntica engenhosidade, mas também demonstra que ainda há um longo caminho a percorrer.
Kampala faz a sua parte, e Davos também. No Fórum Econômico Mundial deste ano, os participantes promoveram iniciativas como a “Economia Circular” que estimula designers e fabricantes a reduzir o número de plásticos diferentes utilizados em embalagens e rótulos, aumentando assim a probabilidade de serem reciclados e gerarem lucro.
Se parece que a ênfase está na redução da quantidade de novos resíduos plásticos, em vez da remoção dos milhões de toneladas que já estão no meio ambiente, é porque os planos para isso até agora têm sido de pequena escala and subject to e têm estado sujeitos a entre engenheiros e ativistas. Eles se concentram nos detritos de plástico na superfície do oceano, mas ainda não lidam com o plástico no fundo do oceano.
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Nem um exército de recicladores destemidos nem um aumento do número de usinas de recuperação de energia resolverá o problema dos produtos químicos associados ao plástico ou das fibras de plástico que estão entrando na água potável do mundo. Esse é o trabalho de um punhado de laboratórios em todo o mundo.
As indústrias do petróleo, química e do plástico refinam seus produtos há décadas. O plástico é fantástico para preservar alimentos e bebidas, aumentar a eficiência do combustível nos carros, salvar vidas e aliviar o sofrimento sob a forma de equipamentos médicos estéreis. Contudo, é difícil para o plástico não deixar seus produtos químicos escaparem. Os casacos de lã sintética são quentes e leves, mas soltam um volume surpreendente de fibras.
O desafio é criar novas substâncias que tenham as características funcionais dos plásticos atuais. Há muito a fazer. Os bioplásticos, polímeros biodegradáveis feitos de fontes vegetais como o amido de milho e a raiz da mandioca, em vez de petróleo, são uma alternativa emergente.
Enquanto isso, a gigante dos móveis domésticos Ikea concordou em usar 4,5 bilhões de quilos de um plástico “gerado do nada”, chamado AirCarbon, produzido a partir da coleta de emissões de gases de efeito estufa. O AirCarbon, que será produzido em formatos biodegradáveis e não biodegradáveis, “será um grande agente de mudança”, disse Joe Burkhart, da KI, fabricante de móveis de escritório dos Estados Unidos.
Plástico de raízes, plástico de gás. Essas abordagens trazem a esperança de um futuro inovador e menos tóxico. A Bolt Threads, da Califórnia, e a Spiber, do Japão, estão usando proteínas feitas de seda de aranha para criar fibras robustas, com a expectativa de que sejam mais duráveis e menos propensas a se desprender que as sintéticas.
Voltando ao presente, as soluções americanas têm como alvo a poluição de fibras.
A Wexco vende um filtro barato para máquinas de lavar roupas que absorve fibras de até 160 micrômetros. (Os filtros utilizados nos testes de água da Orb filtraram até 2,5 micrômetros.) Em breve, a loja de roupas esportivas Patagonia colocará à venda uma bolsa-filtro para conter as fibras das roupas sintéticas durante a lavagem. E o Projeto Rozalia desenvolveu a Cora Ball, que captura até 35 por cento das fibras microscópicas em um único ciclo de lavagem. Só o tempo e testes independentes poderão dizer qual dessas soluções é a mais eficiente.
Os municípios estão apenas começando a reconhecer seu papel na poluição de fibras. Uma diminuição da velocidade do processo de tratamento de esgoto permitiria que as instalações capturassem mais fibras de plástico, disse Kartik Chandran, engenheiro ambiental da Universidade Columbia. Para isso, segundo ele, pode ser necessário construir novas estações de tratamento.
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Ninguém imagina que artigos domésticos deixem plástico ou produtos químicos relacionados ao plástico no organismo. Nenhuma marca ou fabricante pede permissão para colocá-los lá. As agências reguladoras, o setor industrial e os pesquisadores independentes demoram para fazer declarações, às vezes contraditórias, sobre a segurança de um determinado poluente. O atraso pode custar caro: quando os Estados Unidos eliminaram o uso do retardador de chama PDBE em eletrônicos, roupas de bebê e móveis, a exposição ao produto químico já havia removido 11 milhões de pontos do QI das habilidades intelectuais de dezenas de milhares de crianças, a um custo de US$ 266 bilhões* e sofrimento incomensurável.
Os primeiros estudos sobre os efeitos dos plásticos microscópicos sobre a saúde humana estão apenas começando. Não se sabe quando os governos vão estabelecer um limite seguro. Ainda mais distantes estão os estudos sobre a exposição humana a nanopartículas de plástico, medidas em milionésimos de milímetro.
Em 1986, K. Eric Drexler, um pioneiro no campo da nanotecnologia, escreveu sobre o “Problema da Gosma Cinzenta”, um cenário do futuro em que robôs minúsculos se autorreplicam tão rapidamente e consomem tantos recursos naturais que eliminam a maior parte da vida na Terra. O cenário hipotético de Drexler ganhou novo ímpeto por causa de um conhecido ensaio escrito no ano 2000 pelo cientista da computação Bill Joy, que descreveu o perigo das pesquisas desenfreadas em genética, nanotecnologia e robótica.
Mas e se não precisarmos de supercomputadores e robôs autorreplicantes para destruir o planeta? A praga dupla da contaminação de plástico e das mudanças climáticas demonstram que basta petróleo barato, uma indústria química bem sucedida, o aumento dos padrões de vida e lucros incríveis. A história da Era do Plástico não termina bem.
“Já que o problema do plástico foi criado exclusivamente pelos seres humanos, por causa da nossa indiferença, ele pode ser resolvido pelos seres humanos, se prestarmos atenção a ele”, afirmou Muhammad Yunus, vencedor do Prêmio Nobel da Paz. “Agora, o que precisamos é de determinação para resolver isso antes de sofrermos as consequências.”
* Após a divulgação desta reportagem, o estudo no qual a matéria se baseou foi publicado na Plos One, uma revista científica revisada por pares, o que significa que um grupo de especialistas externos considerou seus métodos e conclusões sólidos. O artigo da Plos One amplia a descrição das fibras encontradas nas amostras globais de água de torneira para incluir o plástico e outras substâncias produzidas pelo ser humano. Em seu relatório laboratorial de 16 de maio de 2017, para a Orb Media, a pesquisadora principal, Mary Kosuth, identificou as fibras como “plástico”, um polímero sintético. No entanto, na Plos One, a pesquisadora e as coautoras Sherri Mason e Elizabeth Wattenberg usam o termo "antropogênico", ou artificial, para descrever essas fibras. As autoras dizem que optaram por essa distinção na Plos One porque as fibras encontradas nas amostras globais de água da torneira não foram confirmadas como plástico com um espectroscópio infravermelho. Uma vez que o corante rosa bengala usado no estudo se liga apenas a substâncias naturais, elas escrevem, “é lógico supor que as partículas encontradas são pelo menos sintéticas e muito provavelmente poderiam ser classificadas como microplásticos, mas como análises espectroscópicas, como a Espectroscopia de Infravermelho com Transformada de Fourier (FTIR, em inglês), são necessárias para confirmar esta suposição, usamos o termo mais geral ao longo deste relatório.”