Invisíveis
O Plástico Dentro De Nós
Uma Reportagem Investigativa De: Chris Tyree, Journalista, Email and Dan Morrison, Journalista, Email
CAPÍTULO 1
A INVASÃO DE PLÁSTICO
O PLÁSTICO DENTRO DE NÓS
Ele está em todos os lugares: o produto mais persistente, traiçoeiro e familiar do mundo.
Das solas dos sapatos às lentes de contato, do telefone no bolso à comida na geladeira, as evidências são incontestáveis: estamos vivendo a Era do Plástico.
O plástico nos liberta, melhorando a vida diária de maneiras quase inumeráveis.
E o plástico nos aprisiona em lixo e poluição microscópica.
Estudos recentes mostraram a quantidade chocante de plásticos nos oceanos e lagos do mundo. A Orb Media deu seguimento a essa questão com uma pergunta nova: se o plástico microscópico está nos oceanos, lagos e rios, também estará na água potável?
No primeiro estudo científico público desse tipo, encontramos contaminação de plástico anteriormente desconhecida na água da torneira de cidades ao redor do mundo*.
De Nova York a Nova Délhi, as fibras microscópicas de plástico estão jorrando das torneiras, segundo uma pesquisa exclusiva da Orb e de uma pesquisadora da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de Minnesota. Dos salões do Capitólio dos Estados Unidos às margens do Lago Vitória, em Uganda, mulheres, crianças, homens e bebês estão ingerindo plástico com cada copo de água.
Mais de 80 por cento das amostras que coletamos em cinco continentes testaram positivo para a presença de fibras de plástico.
Os microplásticos, pequenas fibras e fragmentos de plástico, não estão apenas sufocando o oceano; eles infestaram a água potável do mundo.
Por que você deveria se importar? Já se demonstrou que os microplásticos absorvem substâncias tóxicas associadas ao câncer e outras doenças e as liberam quando são ingeridos por peixes e mamíferos.
Cientistas dizem que é possível que essas fibras microscópicas se originem do desgaste cotidiano de roupas, estofados e carpetes. As fibras podem chegar às torneiras das casas após contaminarem fontes locais de água ou sistemas de tratamento e distribuição. Mas ninguém sabe ao certo como isso funciona, e ainda não existem procedimentos específicos para sua filtragem ou contenção.
Especialistas dizem que, se há fibras de plástico na água, certamente elas estarão na comida também, seja na cozinha ou na mercearia: no leite em pó, no macarrão, nas sopas e nos molhos. As fibras de plástico podem ser o fermento da massa da sua pizza, e um estudo prestes a ser publicado diz que é provável que estejam na cerveja artesanal que você bebe para acompanhar a calabresa.
E é ainda pior. O plástico é praticamente indestrutível, o que significa que os resíduos plásticos não são biodegradáveis. Ao invés disso, o plástico se fragmenta em pedaços cada vez menores de si mesmo, até chegar a partículas nanométricas, de um milésimo de um milésimo de milímetro.
Estudos revelam que as partículas desse tamanho podem migrar através da parede intestinal e viajar para os linfonodos e outros órgãos corporais.
O que o plástico na água da torneira significa para a saúde humana, como ele chegou lá, e o que pode ser feito a respeito? Fomos buscar essas respostas em uma investigação de dez meses em seis continentes.
O PLÁSTICO É TÃO ÚTIL PARA A VIDA MODERNA QUE TENDEMOS A VÊ-LO COMO UM MATERIAL NEUTRO: INSÍPIDO, INODORO E RIDICULAMENTE CONVENIENTE. ESSA CONVENIÊNCIA LEVOU A UMA PRODUÇÃO EXPLOSIVA E UM DESPERDÍCIO DESCONTROLADO, QUE ESPALHOU FIBRAS PLÁSTICAS PELO AMBIENTE E EM NOSSOS CORPOS.
THE PLASTIC AGE
PERGUNTAMOS A VOCÊ
CAPÍTULO 2
A GRANDE CONTAMINAÇÃO
AS FIBRAS PLÁSTICAS INFILTRARAM A ÁGUA POTÁVEL DE CIDADES E VILAREJOS EM TODO O MUNDO, DE ACORDO COM A PESQUISA EXCLUSIVA DA ORB. ELAS FORAM ENCONTRADAS ATÉ NAS MELHORES MARCAS DE ÁGUA ENGARRAFADA DOS ESTADOS UNIDOS. É QUASE CERTO QUE AS FIBRAS SINTÉTICAS ESTEJAM NA SUA COMIDA, DIZEM OS ESPECIALISTAS, INCLUINDO O LEITE EM PÓ, O MACARRÃO, AS SOPAS E O ARROZ.
“Isso deve servir de alerta. Sabíamos que esse plástico voltava para nós por meio da cadeia alimentar. Agora vemos que está voltando para nós na água de beber. Temos alguma saída?”
—Muhammad Yunus, vencedor do Prêmio Nobel da Paz e fundador do Grameen Bank
CONTAMINADO
VOCÊ JÁ DESCONFIOU?
CAPÍTULO 3
QUAL É O PERIGO?
Há certos bens comuns que nos conectam uns aos outros: o ar, a água, a terra. E o que nós descobrimos inúmeras vezes, universalmente, é que se você contaminar qualquer um desses bens comuns, vai atingir tudo.
— Dra. Sherri A. Mason
Diretora, Departamento de Geologia e Ciências Ambientais
Universidade Estadual de Nova York em Fredônia
ESTE QUETÓGNATO PLANCTÔNICO, SAGITTA SETOSA, COMEU UMA FIBRA DE PLÁSTICO AZUL QUE BLOQUEOU A PASSAGEM DE ALIMENTOS PELO SEU INTESTINO. A FIBRA TEM APROXIMADAMENTE 3 MM DE COMPRIMENTO. O PLÂNCTON SUSTENTA TODA A CADEIA ALIMENTAR MARINHA. RICHARD KIRBY, UM PESQUISADOR DA ASSOCIAÇÃO DE BIOLOGIA MARINHA DO REINO UNIDO, OBSERVOU MILHARES DE ORGANISMOS PLANCTÔNICOS SUFOCANDO EM PLÁSTICO MICROSCÓPICO EM SUAS AMOSTRAS DE ÁGUA DO MAR. AS ROUPAS SINTÉTICAS SÃO A PRINCIPAL FONTE DE FIBRAS DE PLÁSTICO NO MAR. (FOTO: © RICHARD KIRBY)
SEU DESAFIO: QUANTO PLÁSTICO?
Muitos de nós tentamos ser cuidadosos sobre a quantidade de plástico descartável que utilizamos. Então, aqui vai um desafio: pegue uma sacola de papel e coloque nela todo plástico descartável que você usar ao longo de um dia. Em seguida, espalhe tudo no chão e poste uma foto no Instagram ou Twitter com a hashtag #OrbPlastics. Você pode comparar seu consumo de plástico descartável com o de outras pessoas na nossa página de comunidade.
Sempre que você subdivide um problema, como acontece quando a indústria de plástico não é responsabilizada por seus tipos específicos de resíduos, cria-se a possibilidade desse setor, em seguida, culpar outro. Então, a culpa é do manejo do lixo; não é do produtor. A culpa é do pessoal do tratamento de esgoto. Não é culpa do fabricante de roupas. A culpa é das pessoas que têm máquina de lavar roupas. A culpa é de outra pessoa. De modo geral, a culpa é nossa.
— Dr. Mark Browne
Pesquisador Sênior Faculdade de Ciências Biológicas, da Terra e do Ambiente
Universidade de Nova Gales do Sul
A INVASÃO DO PLÁSTICO
Produtos químicos vindos dos plásticos são uma parte constante da nossa dieta diária. De modo geral, pensamos que a garrafa de água pura da nascente, a tigela de plástico em que preparamos nossas refeições e que é apropriada para micro-ondas ou o copo de isopor com uma bebida quente existem para proteger nossos alimentos e bebidas. Mas em vez de formar uma barreira completamente inerte, esses plásticos se decompõem e liberam produtos químicos, incluindo plastificantes que são desreguladores endócrinos, como o bisfenol A ou ftalatos, retardadores de chama e até mesmo metais pesados tóxicos, que são todos incorporados à nossa dieta e ao organismo.
— Dr. Scott Belcher
Professor Pesquisador, Universidade Estadual da Carolina do Norte Porta-voz, The Endocrine Society
CAPÍTULO 4
E AGORA?
A única maneira de manter o plástico fora do ar, da água e da terra é repensar radicalmente seu design, seu uso, sua venda e a disposição dos seus resíduos. Há muito a fazer. Veja algumas maneiras como as pessoas ao redor do mundo estão trabalhando para mudar essa sinistra realidade global.
A Recuperação de Energia transforma resíduos plásticos e orgânicos em gás e combustível líquido usando diversas tecnologias. Prevê-se que o mercado global de recuperação de energia cresça e vire uma indústria de US$ 33 bilhões até 2023.
No modelo de“Economia Circular” model, os fabricantes e designers garantem que as embalagens e materiais podem ser facilmente reciclados e reutilizados. Hoje em dia, mais da metade de todas as embalagens plásticas não podem ser recicladas.
Novos Materiais: Marcas líderes e startups novas estão desenvolvendo tecidos sintéticos que não soltarão fibras no ar e na água. A Bolt Threads, da Califórnia, está usando proteínas de seda de aranha para criar um tecido forte e elástico, com o qual esperam substituir a lã sintética. Uma empresa japonesa, a Spiber, também planeja fornecer seda de aranha para a indústria de roupas esportivas. Enquanto isso, a NewLight Technologies criou um plástico denominado Air Carbon usando gases do efeito estufa, que são produzidos por gado e aterros, no lugar do petróleo. “Não me canso de falar sobre esse material”, disse Joe Burkhart, da fábrica de móveis KI nos Estados Unidos. “Isso realmente tem o potencial de afetar o mundo em grande escala.”
Soluções Domésticas. Designers do mundo todo estão buscando maneiras de reduzir as emissões de plástico por consumidores. Um produto, o Cora Ball, captura até 35 por cento das fibras liberadas em uma única lavagem de roupa, antes que sejam lançadas nos sistemas de tratamento, rios e lagos.
Para cada uma dessas soluções, é preciso que indivíduos, empresas e governos assumam sua responsabilidade pelo lixo plástico gerado por suas compras, pelo design dos seus produtos e por sua atitude em relação à proteção ambiental.
Os materiais plásticos são intrinsecamente recicláveis. O que nos impede de reciclar mais, eu diria, é uma consideração inadequada, imprópria, ou... uma falta de consideração, no estágio do design, referente ao que vai acontecer no final da vida útil.
— Dr. Richard Thompson, Ph.D.
Pró-Reitor de Pesquisa Ciência e Engenharia, Universidade de Plymouth
A LINHA DE FRENTE
E AGORA?
Quase ninguém pede para ter plásticos ou produtos químicos relacionados ao plástico no organismo. Nenhuma marca ou fabricante pede permissão para colocá-los lá. As agências reguladoras, o setor industrial e os pesquisadores independentes demoram para fazer declarações, às vezes contraditórias, sobre a segurança de um determinado poluente. Esse atraso pode custar caro: quando os Estados Unidos eliminaram o uso do retardador de chama PDBE em eletrônicos, roupas de bebê e móveis, a exposição ao produto químico já tinha removido 11 milhões de pontos do QI das habilidades intelectuais de dezenas de milhares de crianças nos Estados Unidos, a um custo de US$ 266 bilhões e sofrimento incomensurável.
As fibras na água de torneira são, então, tanto uma descoberta quanto um indicador: um sinal visceral do quanto o plástico penetrou na vida humana e na anatomia humana. Não conseguimos ver as moléculas de cadeia longa de poluentes como os polifluoroalquilos, mesmo que estejam em mais 98 por cento da população. Mas quando as fibras são filtradas em laboratório e vistas pelo microscópio, a contaminação se torna real.
Os primeiros estudos sobre os efeitos dos plásticos microscópicos sobre a saúde humana estão apenas começando. Não há como dizer se ou quando os governos vão estabelecer um limite “seguro” para o plástico na água e nos alimentos. Ainda mais distantes estão os estudos sobre a exposição humana a nanopartículas de plástico, medidas em milionésimos de milímetro.
Os municípios estão apenas começando a reconhecer seu papel na poluição de fibras. Uma diminuição da velocidade do processo de tratamento de esgoto permitiria que as instalações capturassem mais fibras de plástico, disse Kartik Chandran, engenheiro ambiental da Universidade Columbia e bolsista-pesquisador da MacArthur Foundation em 2015. Mas para isso provavelmente seria necessário construir novas estações de tratamento, o que aumentaria os custos financeiros, disse ele.
Em 1986, K. Eric Drexler, um pioneiro no campo da nanotecnologia, escreveu sobre o “Problema da Gosma Cinzenta”, um cenário apocalíptico em que robôs minúsculos se autorreplicam tão rapidamente e consomem tantos recursos naturais que levam a maior parte da vida na Terra à extinção. O cientista da computação Bill Joy, cofundador da Sun Microsystems, deu um novo ímpeto a esse cenário hipotético em um ensaio lançado no ano 2000, “Por que o futuro não precisa de nós”, que pregava restrições sobre algumas pesquisas em genética, nanotecnologia e robôs.
Mas e se não precisarmos de supercomputadores e robôs autorreplicantes para destruir o planeta? A praga dupla da contaminação de plástico e das mudanças climáticas demonstram que basta petróleo barato, uma excelente indústria química, o aumento dos padrões de vida e lucros incríveis. A história da Era do Plástico não termina bem.
“Já que o problema do plástico foi criado exclusivamente pelos seres humanos, por causa da nossa indiferença, ele pode ser resolvido pelos seres humanos, se prestarmos atenção a ele”, disse à Orb Muhammad Yunus, vencedor do Prêmio Nobel da Paz de 2006. “Agora, o que precisamos é de determinação para resolver isso antes de sofrermos as consequências.”
*Após a divulgação desta reportagem, o estudo no qual a matéria se baseou foi publicado na Plos One, uma revista científica revisada por pares, o que significa que um grupo de especialistas externos considerou seus métodos e conclusões sólidos. O artigo da Plos One amplia a descrição das fibras encontradas nas amostras globais de água de torneira para incluir o plástico e outras substâncias produzidas pelo ser humano. Em seu relatório laboratorial de 16 de maio de 2017, para a Orb Media, a pesquisadora principal, Mary Kosuth, identificou as fibras como “plástico”, um polímero sintético. No entanto, na Plos One, a pesquisadora e as coautoras Sherri Mason e Elizabeth Wattenberg usam o termo "antropogênico", ou artificial, para descrever essas fibras. As autoras dizem que optaram por essa distinção na Plos One porque as fibras encontradas nas amostras globais de água da torneira não foram confirmadas como plástico com um espectroscópio infravermelho. Uma vez que o corante rosa bengala usado no estudo se liga apenas a substâncias naturais, elas escrevem, “é lógico supor que as partículas encontradas são pelo menos sintéticas e muito provavelmente poderiam ser classificadas como microplásticos, mas como análises espectroscópicas, como a Espectroscopia de Infravermelho com Transformada de Fourier (FTIR, em inglês), são necessárias para confirmar esta suposição, usamos o termo mais geral ao longo deste relatório.”
ESTAMOS PERGUNTANDO