Lutando às Cegas

A Missão Difícil de Fechar os Canais Terroristas

Uma Reportagem Investigativa De: Jim Rendon, Journalista, Email


 

Dentro de um restaurante movimentado na cidade de Solo, no centro de Java, na Indonésia, Joko Tri Harmanto colhe tiras de tempeh empanado do óleo escaldante de uma frigideira enegrecida no início de uma manhã de sábado. Ao lado dele, um amigo vira xícaras de caldo fervente sobre tigelas de arroz para fazer uma sopa chamada soto. Os clientes ficam de pé na entrada da cozinha fazendo pedidos enquanto a dupla trabalha para atender a hora de pico do café da manhã.

Harmanto e seu amigo Wasiran moram perto um do outro, logo depois da esquina. Mas eles não são apenas amigos ou parceiros de negócios. Harmanto abriu este restaurante com Wasiran por causa de uma preocupação séria: que Wasiran pudesse se juntar a um grupo violento. "Ele é menos afortunado economicamente, então eu o peguei para ele não se meter nisso", diz Harmanto.

Harmanto diz que sabia que Wasiran corria risco, da mesma forma que um técnico de futebol consegue identificar um jogador promissor: com base em sua experiência. Harmanto é um ex-terrorista, com suas mãos manchadas pelo sangue de centenas de pessoas. Em 2002, Harmanto ajudou a construir o enorme carro-bomba que o grupo afiliado à Al Qaeda, Jemaah Islamiyah, fez explodir em Bali, matando 202 pessoas. Outras centenas de pessoas ficaram feridas e a economia turística de Bali sofreu durante anos.

Agora, ele está tentando impedir que outros sigam seu caminho em direção à violência — começando com seu amigo.

Joko Tri Harmanto ajudou a construir a bomba que matou 202 pessoas em Bali em 2002. Desde então, ele condena a violência, exceto em casos de autodefesa. Hoje, ele está ajudando a impedir que outros, incluindo seu vizinho, Wasiran, se unam a grupos v…

Joko Tri Harmanto ajudou a construir a bomba que matou 202 pessoas em Bali em 2002. Desde então, ele condena a violência, exceto em casos de autodefesa. Hoje, ele está ajudando a impedir que outros, incluindo seu vizinho, Wasiran, se unam a grupos violentos. (Andreas Vingaard, da Orb Media)

Wasiran não é um caso incomum. A reportagem e análise de dados da Orb Media mostram que o terrorismo está se espalhando para mais países e que a aceitação da violência contra civis está crescendo em quase todas as regiões do mundo. Apesar dos trilhões de dólares gastos no combate ao terrorismo desde os ataques de 11 de setembro de 2001, mais países do que nunca estão sofrendo com a violência extremista.(1)

Ao mesmo tempo, os esforços para prevenir o recrutamento de terroristas demoraram a se materializar e são locais, raramente baseados na melhor pesquisa e sem avaliação rigorosa.(2,3,4) Apesar de todo o foco global em proteger os cidadãos de ataques violentos e matar e prender terroristas, os governos deram pouca atenção aos canais que levam as pessoas a se juntarem aos grupos terroristas.

"Não estamos fazendo o suficiente em prevenção", diz Eric Rosand, membro sênior da Instituição Brookings, em Washington, D.C., que dirige o Projeto de Prevenção: Organização contra o Extremismo Violento. "Estamos apenas fazendo mais e mais do mesmo."

De fato, não há um consenso comum sobre como evitar que as pessoas sejam recrutadas. Os acadêmicos têm uma compreensão básica do motivo pelo qual as pessoas participam desses grupos, mas a pesquisa é limitada e não é bem financiada. E há poucas evidências para indicar quais abordagens funcionam melhor.

Harmanto tem sua própria abordagem profundamente pessoal à prevenção, baseada em sua experiência e ideologia que ele passa para grupos estudantis e religiosos. Até agora, essa abordagem também funcionou com o seu amigo Wasiran. "Eu era caótico, ignorante, não me importava com os outros", diz Wasiran, ciente de que era um alvo fácil para o recrutamento em Solo, uma cidade que tem uma história de extremismo violento. “Depois que aprendi com ele, graças a Deus, consegui controlar minhas emoções.”

Como Harmanto, ele mantém uma visão linha dura do Islã e acredita que sua religião está sob ataque na Indonésia, o maior país de maioria muçulmana do mundo. No entanto, agora, ele acredita que a violência só deve ser usada em autodefesa. “Depois que o conheci, aprendi muito sobre religião, como viver em sociedade”, diz Wasiran.

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Mas essa ideia — que se pode coibir o impulso à violência, sem alterar a ideologia radical — é controversa. De fato, é o oposto da abordagem adotada pelos programas na Alemanha que datam da década de 80.

“O extremismo de direita que nem é violento é realmente alarmante para nós”, diz Claudia Dantschke, diretora de projetos da Hayat-Alemanha em Berlim, que trabalha com as famílias de jovens que estão sendo radicalizados. Como a antiga ideologia nazista do país resultou em genocídio e guerra mundial, a ideologia extremista não é tolerada na Alemanha.

“A ideologia justifica o uso da violência”, diz Dantschke. “Ela [a ideologia] diz quem você pode matar e quando você tem permissão para matar. A ideologia é a base da violência.”

Pode ser que essas abordagens opostas funcionem bem em cada um desses países. Ou que não faz sentido mudar a ideologia, como dizem alguns na Indonésia, ou deixar a ideologia de lado permite simplesmente que as pessoas voltem à violência. Enquanto países experimentam abordagens diferentes, ninguém sabe ao certo o que funciona melhor porque há poucos dados disponíveis sobre os resultados.

"Você não consegue fazer julgamentos definitivos sobre quais programas funcionam", diz JD Maddox, professor adjunto de estudos de segurança nacional da Universidade George Mason e ex-funcionário de contraterrorismo em várias agências do governo dos Estados Unidos. Os esforços para conter o recrutamento em todo o mundo talvez nunca resultem em programas amplos e eficazes, em parte porque as prioridades políticas mudam com o tempo, resultando em falta de dados ou em uma estratégia clara.. "Isso será um problema por muito tempo", diz ele.

Claudia Dantscke trabalha na Alemanha com a HAYAT, onde ela aconselha famílias de jovens em risco de radicalização. Ela diz que a ideologia deve ser mudada. Está na raiz da violência extremista. (Christoph Kube for Orb Media)

Claudia Dantscke trabalha na Alemanha com a HAYAT, onde ela aconselha famílias de jovens em risco de radicalização. Ela diz que a ideologia deve ser mudada. Está na raiz da violência extremista. (Christoph Kube for Orb Media)

Para a maioria das pessoas, a ideia de se tornar um terrorista é inimaginável. Decidir que não há problema em matar os outros por um objetivo político ou religioso é ilegal e considerado imoral pela maioria, e quebra muitos tabus culturais e religiosos. No entanto, sua aceitação está crescendo em todo o mundo entre uma pequena porcentagem de pessoas, assim como o terrorismo está se espalhando ainda mais.

Quando se trata de combater o terrorismo, os governos gastam dinheiro em quase tudo, exceto para impedir que as pessoas se juntem a esses grupos em primeiro lugar. De acordo com um relatório recente do Centro Stimson, uma organização de pesquisa política apartidária, o governo dos Estados Unidos gastou US$ 2,8 trilhões lutando contra o terrorismo entre 2002 e 2016.(5) Desse total, apenas US$ 11 bilhões — menos da metade de 1% do total — foram gastos em ajuda externa para medidas de contraterrorismo fora das zonas de guerra. Isso inclui tudo, desde o combate às mensagens terroristas até o treinamento da polícia e o fornecimento de subsídios para a compra de armas. Apenas uma pequena porcentagem desse dinheiro foi gasto em programas de prevenção.

Isso é um problema, diz Rosand. O ISIS recrutou membros em mais de 100 países. O número de países que enfrentam ataques terroristas tem aumentado desde 2004, segundo a análise da Orb do Banco de Dados sobre Terrorismo Global, a medição mais utilizada de atividade terrorista. Como os ataques terroristas são raros e podem variar de ano a ano, a Orb usou uma média móvel — o número médio de países com ataques nos cinco anos anteriores para cada ano entre 2000 e 2017. Mais de 100 países sofreram ataques em 2016 e 2017: mais do que em qualquer ano deste século.(6)

“Não há evidências de que tudo isso reduza a ameaça terrorista a longo prazo”, diz Rosand, sobre a abordagem militarizada adotada pelos governos. Na verdade, ele diz que ataques com drones e outros usos das forças armadas podem radicalizar uma população, levando a um recrutamento ainda maior. “Mais países são afetados pelo terrorismo do que nunca.”

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A análise da Orb Media dos dados de pesquisas de 64 países estima que um número crescente de pessoas em quase todas as regiões do mundo acha completamente aceitável que grupos não estatais usem violência contra civis. Anteriormente, essa questão foi utilizada em pesquisas acadêmicas para analisar o apoio à violência extremista. A aceitação dobrou na Ásia Oriental e no Pacífico, saltando de 2% para 4% nos anos entre os dois períodos medidos pelos pesquisadores: 2002 a 2009 e 2012 a 2018. No Oriente Médio, o apoio saltou de 5% para 9%. Nos países da OCDE de alta renda (34 países compostos principalmente por países da Europa) o apoio aumentou de 2% para 3%. A África Subsaariana teve a maior aceitação do terrorismo: o apoio cresceu de 12% para 14%.

Enquanto especialistas dizem que não se pode traçar uma linha direta entre essas atitudes e o recrutamento de terroristas, Clark McCauley, professor emérito de psicologia do Bryn Mawr College, que estuda terrorismo há décadas, diz que algumas pessoas que pensam assim podem estar mais abertas para grupos terroristas. "Sim, faz sentido supor que essas pessoas estão abertas à violência política", diz ele.

Globalmente, não existe uma definição de terrorismo aceita, e o termo pode ser usado para descrever com precisão um grupo ou para manchar e marginalizar dissidentes legítimos. Neste artigo, a Orb Media está usando a definição de terrorismo criada pelo Consórcio Nacional para o Estudo do Terrorismo e Respostas ao Terrorismo (START, em inglês), um grupo de pesquisadores acadêmicos e especialistas independentes que mantêm o Banco de Dados sobre Terrorismo Global. Trata-se da ameaça ou uso real de força ilegal e violência por um ator não estatal para atingir uma meta política, econômica, religiosa ou social através do medo, coerção ou intimidação.(7)

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Segundo essa definição, o terrorismo tem sido usado por grupos de praticamente todas as ideologias e religiões por mais de um século, diz John Horgan, professor do Instituto de Estudos Globais e do departamento de psicologia da Universidade Estadual da Geórgia.

O IRA visava reunir a Irlanda do Norte à Irlanda, e o ETA, um grupo separatista basco na Espanha, aterrorizou a Europa por uma geração. As FARC, uma insurgência marxista-leninista na Colômbia, e o maoista Sendero Luminoso no Peru fizeram o mesmo na América do Sul. O ANC, que lutava contra o Apartheid na África do Sul, era considerado um grupo terrorista pelos Estados Unidos até 2008, embora seu líder, Nelson Mandela, tenha se tornado o presidente da África do Sul em 1994. Nos Estados Unidos, 35% de todos os ataques terroristas entre 2010 e 2016 foram cometidos por grupos de direita, de acordo com o Centro START.(8) O assassinato de 11 pessoas em uma sinagoga em Pittsburgh, em outubro deste ano, chamou mais atenção ao crescente problema do terrorismo de extrema direita. Mas nos Estados Unidos, um ataque contra civis por razões ideológicas geralmente só é processado como terrorismo se for cometido por pessoas filiadas a um grupo terrorista estrangeiro.(9) O americano Timothy McVeigh, por exemplo, que matou 168 pessoas quando bombardeou um prédio federal em 1995, nunca foi acusado de terrorismo.(10) E o governo Trump reduziu o financiamento para programas de prevenção de violência por parte de grupos de direita domésticos.(11,12,13)

O terrorismo se espalha ao redor do globo em ondas ao longo do tempo, diz Gary LaFree, ex-diretor do START na Universidade de Maryland. "O que torna a violência política mais comum em alguns períodos do que outros?", pergunta ele. “Não sabemos muito sobre quais políticas governamentais funcionam.”

Em uma tarde clara de outono, David Aufsess, assistente social da VAJA, uma organização de prevenção em Bremen, na Alemanha, pulou em uma minivan da Volkswagen no bairro de Gröppelingen. Ele virou em uma rua ampla repleta de restaurantes e lojas chamada Pequena Istambul. Com mais de 1,80 m de altura, cabelos escuros ondulados e cavanhaque, Aufsess dificilmente passa despercebido: ele fica uma cabeça mais alto do que qualquer um que encontra. Ao passar por uma banca de legumes, ele se inclinou para a janela e acenou para um jovem. "Há muitos jovens nas ruas aqui", diz ele.

David Aufsess é um assistente social de rua da organização de prevenção VAJA em Bremen, na Alemanha. Ele se reúne com jovens nas comunidades em que vivem e desenvolve um relacionamento com eles ao longo do tempo para ajudá-los a encontrar alternativ…

David Aufsess é um assistente social de rua da organização de prevenção VAJA em Bremen, na Alemanha. Ele se reúne com jovens nas comunidades em que vivem e desenvolve um relacionamento com eles ao longo do tempo para ajudá-los a encontrar alternativas para a ideologia e grupos extremistas violentos. (Christoph Kube paraOrb Media)

Aufsess, um assistente social de rua, passa muito tempo encontrando os jovens onde eles se encontram, conhecendo suas preocupações, ganhando sua confiança e conectando-se com os outros. Ele ajuda em uma escola próxima, onde estudantes islâmicos salafistas intimidaram colegas de classe há quatro anos.

A VAJA começou a trabalhar com neonazistas nos anos 80. Foi quando o programa desenvolveu sua abordagem de trabalho social de rua como uma forma de construir confiança ao longo do tempo com os neonazistas. "Se você conhece alguém há dois anos, pode discutir por que essa pessoa acha que judeus ou estrangeiros são lixo", diz ele.

Os jovens, em particular, podem mudar sua ideologia, diz Aufsess, porque ainda estão formando suas ideias. Ele diz que muitas vezes experimentam ideologias para desafiar seus pais ou professores. Mas se Aufsess desenvolve um relacionamento com a pessoa, ele pode engajar com ela sobre suas ideias e incentivá-la a pensar criticamente.

Vários anos atrás, uma mesquita em Bremen foi fechada depois que alguns membros saíram para lutar na Síria. Em seguida, os jovens daquela mesquita começaram a perguntar aos imames em outros lugares sobre jihad, diz Esra Basha, gerente de projeto do Al-Etidal, um projeto da Schura Bremen, uma organização islâmica que trabalha com mesquitas em toda a cidade. Sua organização educa os jovens sobre religião para torná-los menos vulneráveis ​​ao recrutamento. “A questão não é o que é jihad, mas por que você está perguntando isso? E por que é tão importante para você?”, ela diz. “Trabalhamos contra a ideologia, que é muito flexível.”

Alguns grupos vão ainda mais longe. Qualquer ideologia que negue o pluralismo e a tolerância deve ser desafiada, diz Götz Nordbruch, cofundador da UFUQ.de, com sede em Berlim, que organiza grupos de discussão nas escolas. "As linhas vermelhas são posições que se concentram na desvalorização do outro, posições que são antipluralistas", diz ele. Na Alemanha, a ideologia está na raiz do problema.

Aqueles que fazem esse tipo de trabalho na Indonésia veem de forma diferente. Ex-terroristas como Harmanto não são menos radicais do que eram antes. Eles só renunciaram à violência de atacar primeiro.

A mudança de Harmanto foi profundamente pessoal. Ele fugiu por dois anos antes de ser capturado. A polícia levou-o para a casa de seus pais e ele observou enquanto faziam a busca. Eles encontraram centenas de balas na casa. "De dentro do carro, vi minha mãe chorando", diz ele. "Foi quando pensei, 'tenho que mudar'". Harmanto foi condenado por abrigar o mentor do atentado de Bali e seu principal fabricante de bombas e cumpriu quatro anos de uma sentença de seis anos de prisão.

Esra Basha e seus colegas de trabalho do Al-Etidal trabalham com mesquitas e jovens em Bremen, na Alemanha, para fornecer uma base religiosa para ajudar a impedir o recrutamento por grupos terroristas e dissuadir jovens da ideologia extremista. (Chr…

Esra Basha e seus colegas de trabalho do Al-Etidal trabalham com mesquitas e jovens em Bremen, na Alemanha, para fornecer uma base religiosa para ajudar a impedir o recrutamento por grupos terroristas e dissuadir jovens da ideologia extremista. (Christoph Kube para Orb Media)

Sua mudança ocorreu lentamente, diz Thayep Malik, que administra outro restaurante que contrata ex-terroristas quando eles saem da prisão para ajudá-los a se reintegrarem à sociedade. O restaurante faz parte do Instituto para a Construção da Paz Internacional, uma organização sem fins lucrativos na Indonésia. "Houve tantas transformações nele, especialmente em sua disposição de construir relacionamentos com outras pessoas", diz Malik.

No entanto, Malik, que trabalhou durante anos com Harmanto e outros ex-terroristas, diz que é improvável que eles escutem um estranho que lhes diga que sua ideologia está errada. "Não vamos chegar a um entendimento sobre a ideologia", diz Malik. "Mas podemos nos unir em torno da ideia de rejeitar a violência."

Outro ex-membro do Jemaah Islamiyah, Arif Budi Setiawan, que mora em uma casa de terra batida na zona rural do leste de Java, renunciou à violência na prisão depois de ver como mesmo os membros da milícia cristã sofreram junto com ele. Mas como Harmanto, ele diz que suas crenças são as mesmas. "Sobre a sharia, eu não mudei", diz ele, referindo-se aos princípios fundamentais da lei islâmica. O que mudou foi sua visão de quando a violência deve ser usada, uma mudança sobre a qual ele escreve online, em um esforço para impedir que outros se juntem a grupos violentos. "A violência é apenas para autodefesa", diz ele.

Sidney Jones, diretor do Instituto de Análise de Políticas de Conflito em Jacarta, na Indonésia, diz que é comum pensar que a ideologia radical não deve ser mudada, particularmente entre as grandes organizações muçulmanas do país. "Aqui a radicalização em defesa da fé é boa", diz Jones. De fato, muitos acreditam que pessoas como Harmanto estavam fazendo a coisa certa, ele acrescenta. Elas apenas foram longe demais.

Apesar das grandes diferenças entre programas de prevenção na Alemanha e na Indonésia, ambos refletem algumas das pesquisas mais recentes sobre como e por que as pessoas se unem a grupos terroristas: o poder das relações sociais..

Sentado em uma varanda do outro lado da rua da casa que ele compartilha com sua esposa e seis filhos, Harmanto explica que ele foi recrutado em um grupo de estudo do Alcorão no ensino médio. Harmanto tornou-se amigo íntimo dos meninos mais velhos e foi atraído para o seu círculo. "Minha direção religiosa foi influenciada por meus amigos", diz ele.

Este processo não é diferente do que a maioria dos adolescentes atravessa quando encontra seus interesses na vida, diz Harmanto. Se seus amigos fossem musicais, ele poderia ter se tornado um músico, ele imagina, criando um mundo alternativo em que ele tocaria bateria ao invés de matar e mutilar turistas. "Quanto mais eu saía com eles, mais eu me tornava um deles."

Existem inúmeras razões locais pelas quais as pessoas podem ser atraídas para grupos terroristas. Na Tunísia, tanto pessoas com alta como baixa escolaridade saíram para lutar com o ISIS. No Iêmen, a Al Qaeda na Península Arábica promove seus projetos de desenvolvimento no Twitter para ganhar popularidade com as comunidades de lá. Grupos da extrema direita aproveitam o medo dos imigrantes na Alemanha. Nos países nórdicos, imigrantes de segunda e terceira geração que sentem que não são aceitos em seus países de acolhimento ou pela cultura de seus pais são os mais vulneráveis, diz Magnus Ranstorp, diretor de pesquisa do Centro de Estudos de Ameaças Assimétricas da Universidade de Defesa da Suécia.

Mas alguns fatores psicológicos importantes provavelmente estão por trás dessas diferenças locais, diz Horgan, da Universidade Estadual da Geórgia. "Há pessoas que chamamos de terroristas [que vêm] de contextos políticos, ideológicos e sociais muito diferentes", diz Horgan. "Sua psicologia tem muito mais em comum do que as diferenças superficiais podem sugerir."

Novas pesquisas sugerem que relacionamentos, como as amizades que atraíram Harmanto para o Jemaah Islamiyah, podem estar entre os fatores mais importantes para determinar quem se junta a esses grupos e quem fica fora deles.(14,15) Julie Chernov Hwang, professora associada de ciência política e relações internacionais no Goucher College, nos Estados Unidos, passou seis anos entrevistando 55 terroristas atuais e ex-terroristas na Indonésia.

A história do terrorismo nesse país remonta à luta pela independência na década de 40. Existem algumas comunidades onde, em uma família, um tio pode ter lutado na Bósnia e um primo pode ter lutado no Afeganistão ou um irmão foi para a Síria.

“As pessoas podem se unir a um grupo porque seu melhor amigo ou irmão mais velho está nele”, diz Chernov Hwang, autora de Why Terrorists Quit: The Disengagement of Indonesian Jihadists (sem tradução). "Eles se juntam porque gostam do sentimento de irmandade."

Aqueles que trabalham para mudar a ideologia na Alemanha encontraram relações sociais semelhantes na raiz da radicalização. As relações sociais na escola, em times esportivos e grupos religiosos são fundamentais para a vida dos jovens. "Se algo está faltando, então o jovem tem que procurar em outro lugar", diz Aufsess. “Os jovens são humanos, estão sempre em busca de conexões.”

Grupos terroristas na Alemanha usam relacionamentos online para recrutar meninas porque suas vidas sociais são mais restritas, diz Dantschke, da Hayat. Uma recrutadora online pode se compadecer com os conflitos entre uma garota e seus pais, por exemplo, e agir como uma irmã mais velha, atraindo lentamente a menina para grupos de conversa mais restritivos e ideológicos.

Organizações na Alemanha e Indonésia também usam redes sociais para impedir que as pessoas se juntem a esses grupos. A organização de Dantschke usa a estrutura familiar para ajudar a fornecer um relacionamento sólido para o jovem. "Às vezes há um irmão ou um primo ou talvez um velho amigo que se recusa a ser empurrado para fora desta nova vida", diz ela. "Trata-se de encontrar pessoas que ainda podem alcançar este adolescente."

Para Wasiran, seu relacionamento com Harmanto e o trabalho que ele faz no restaurante provaram ser o ambiente social que moldou sua nova maneira menos violenta de ver o mundo.

Wasiran corria o risco de ser recrutado por um grupo violento em sua cidade de Solo, em Java Central, na Indonésia. Graças ao trabalho que realiza em um restaurante com seu vizinho, o ex-terrorista Joko Tri Harmanto, ele agora renunciou à violência, exceto para legítima defesa. (Andreas Vingaard para Orb Media)

Wasiran corria o risco de ser recrutado por um grupo violento em sua cidade de Solo, em Java Central, na Indonésia. Graças ao trabalho que realiza em um restaurante com seu vizinho, o ex-terrorista Joko Tri Harmanto, ele agora renunciou à violência, exceto para legítima defesa. (Andreas Vingaard para Orb Media)

Por volta das 10 da manhã, quando os últimos clientes deixam o restaurante e Wasiran e seu filho adolescente e sobrinho começam a fechar, Wasiran faz uma pausa. "Este é o nosso local sagrado, o nosso lugar de interação com os amigos e nosso campo de boas ações", diz ele, explicando que uma vez por mês seu restaurante serve sua comida gratuitamente como forma de retribuir à comunidade — que eles chamam de sexta-feira abençoada.

Este restaurante tornou-se a nova comunidade de Wasiran, um lugar que o fundamenta em sua fé e nas lições que aprendeu com Harmanto. Ele pode estar mais propenso a permanecer nesse caminho por causa do estreitamento de laços com os amigos que fez aqui. Wasiran não descarta a possibilidade de que um dia sua religião precise ser defendida com o uso da violência, mas, por enquanto, o restaurante se tornou uma âncora para ele. "Podemos compartilhar e trocar experiências, seja sobre religião, trabalho ou qualquer outra coisa", diz ele. "Podemos adquirir conhecimento aqui."